Transtorno delirante persistente: o que é a psicose parcial e como tratar

Nem todo quadro de delírio resulta em uma perda total de contato com a realidade. Entenda!
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Os delírios costumam ser parte de diversos transtornos psiquiátricos, em especial os transtornos psicóticos. No entanto, existe um transtorno específico que é caracterizado pela presença quase que isolada de delírios: o transtorno delirante persistente.

Anteriormente conhecido como paranoia, este transtorno é caracterizado pela presença de delírios, ou seja, convicções que não refletem a realidade. Também é chamado de psicose parcial, pois é um tipo de psicose que acaba não afetando o indivíduo de maneira global.

Embora não se saiba exatamente a incidência deste transtorno, sua prevalência parece ser em torno de 0,2% e estima-se que grande parte das pessoas que sofrem dele não chegam a buscar ajuda psiquiátrica, tendo em vista que muitas conseguem manter uma vida funcional, trazendo poucos prejuízos ao funcionamento geral do indivíduo. Mulheres são mais afetadas do que homens, mas alguns tipos de delírios são mais comuns ao gênero masculino.

Neste texto, vamos explorar os principais sintomas, as possíveis causas e as opções de tratamento para o transtorno delirante persistente.

O que é transtorno delirante persistente?

O transtorno delirante persistente, também chamado de psicose parcial, é uma condição psiquiátrica caracterizada pela presença de delírios não-bizarros persistentes e bem elaborados.

Tais delírios podem ter temáticas diversas, mas por serem não-bizarros, são situações que poderiam acontecer de fato, como no caso perseguições, ciúmes, infidelidade, doenças, entre outros.

Esses delírios são crenças falsas e irreais que se manifestam na forma de uma convicção que persiste por no mínimo um mês. Tal convicção é tão forte que a pessoa não deixa de acreditar no seu delírio mesmo quando é confrontada com evidências contrárias.

Também são delírios organizados e bem estruturados, permitindo que a pessoa consiga defendê-los de forma lógica durante discussões. A pessoa parece bastante convincente, especialmente porque se comporta de forma completamente racional nas demais esferas da vida. Ou seja, o contato com a realidade não é prejudicado de uma forma generalizada, como no caso de outros transtornos psicóticos.

Não se sabe exatamente a frequência desse transtorno na população geral, tendo em vista que se trata de um transtorno de difícil identificação. Devido ao comportamento funcional das pessoas que sofrem do transtorno delirante persistente, são poucos os que acabam buscando ajuda psiquiátrica. Isso é mais comum nos casos em que os delírios levam a pessoa a se envolver com a lei.

Estima-se que um caso famoso de transtorno delirante persistente que teve repercussão por conta do envolvimento com a lei é o caso de Jeffrey Dahmer, um assassino em série americano ativo entre 1978 e 1991 que fez, ao menos, 17 vítimas. Embora os assassinos em série sejam frequentemente associados à psicopatia pela opinião popular, o caso de Dahmer é diferente.

Dentre as especulações de diagnósticos possíveis, um deles é o transtorno delirante persistente. Algumas outras alternativas apontadas são transtorno de personalidade borderline e transtorno de personalidade esquizotípica. Vale ressaltar que, no caso de Dahmer, os diagnósticos que recebeu parecem ser imprecisos, sendo um caso extremamente complexo, envolvendo o abuso de álcool, fatores genéticos, culturais, entre outros.

Causas do transtorno delirante persistente

Até hoje, não foram identificadas causas específicas para a psicose parcial. Assim como grande parte dos transtornos mentais, estima-se que o surgimento do transtorno tenha influências de fatores genéticos e ambientais.

Em algumas correntes da psicologia, entende-se que os delírios existem como uma função protetiva nos casos em que a pessoa está usando o delírio para escapar de tensões, da ansiedade ou de outros sentimentos desagradáveis. Isso ocorre por meio dos processos de negação e projeção destes sentimentos.

A negação ocorre quando a pessoa se recusa a reconhecer o que está sentindo, enquanto a projeção é uma maneira de externalizar isso, atribuindo esses sentimentos a outras pessoas ou situações.

Além disso, há hipóteses de que o transtorno surge como resultado de distúrbios orgânicos no cérebro que causam dificuldades perceptivas, alterações na teoria da mente, perturbações emocionais e vieses cognitivos como a tendência de tirar conclusões precipitadas e o viés de atribuição (viés cognitivo em que a maneira que uma pessoa atribui responsabilidades é alterada).

Sintomas e diagnóstico do transtorno delirante persistente

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), o principal manual usando para o diagnóstico de transtornos psiquiátricos, os sintomas do transtorno delirante persistente são os seguintes:

  • Presença de um ou mais delírios durante pelo menos 1 mês;
  • Funcionamento geral não prejudicado, ou seja, a pessoa consegue pensar racionalmente e consegue manter seu estilo de vida apesar dos delírios;
  • Sem alterações bizarras no comportamento;
  • Alucinações exclusivamente relacionadas ao conteúdo do delírio, como por exemplo alucinar com insetos ao ter delírios de infestações.

Embora este não seja um critério presente no DSM-5, para que a pessoa seja diagnosticada com transtorno delirante persistente, os delírios precisam ser caracterizados como não-bizarros, ou seja, são delírios relacionados a situações que poderiam acontecer de fato. Alguns temas comuns de delírios não-bizarros são delírios de controle, leitura de mentes, inserção de pensamentos, perseguição, delírio de grandeza, acusações, ciúmes (síndrome de Otelo), envolvimento romântico e sexual (erotomania), mudanças somáticas como doenças e até mesmo morte.

Casos em que há alucinações podem ser mais raros, ou seja, a presença de alucinações não é um critério indispensável para o diagnóstico do transtorno, bastando apenas a presença de delírios com duração superior a um mês. No entanto, quando alucinações se fazem presentes, elas estão diretamente relacionadas com os temas dos delírios.

O envolvimento emocional com o delírio costuma ser intenso o suficiente para que ele tome um papel central na existência do indivíduo, sendo que questioná-lo pode fazer com que a pessoa apresente reações emocionais inapropriadas e desproporcionais. Além disso, é importante ressaltar que, para serem considerados delírios, eles devem ser divergentes de questões sociais, culturais e religiosas da criação do indivíduo.

Vale ressaltar que o transtorno delirante persistente só é diagnosticado quando os sintomas não são atribuídos ao uso de substâncias ou outras condições médicas.

O diagnóstico de transtorno delirante persistente costuma ser estável, ou seja, não tende a mudar ao longo da vida. No entanto, uma fração dos pacientes diagnosticados com este transtorno eventualmente acabam sendo diagnosticados com esquizofrenia nos anos seguintes.

Tipos de delírios comuns

Alguns dos tipos de delírios mais comuns são:

  • Erotomania: crença de que outra pessoa, que muitas vezes nem sabe de sua existência, como celebridades e pessoas com status social elevado, está apaixonada pelo indivíduo;
  • Grandiosidade: convicção de que possui um status social mais elevado, um talento especial não reconhecido pelos outros ou até mesmo a crença de ter feito uma descoberta importante e revolucionária;
  • Ciúme: crença de que o parceiro está sendo infiel, chamado também de Síndrome de Otelo;
  • Persecutório: mais conhecido como paranoia, neste tipo de delírio a pessoa acredita estar sendo vítima de algum tipo de conspiração, sendo observada, perseguida, difamada, entre outros;
  • Somático: quando a pessoa possui delírios acerca do próprio corpo, acreditando ter funções e sensações corporais diferentes, frequentemente se questionando se tem algo de errado com seu corpo, como por exemplo um membro a mais.

Existem também os casos mistos, em que a pessoa possui diversos delírios que pertencem a diversas das categorias descritas acima. Há também casos não especificados, nos quais os delírios apresentados pela pessoa não se encaixam em nenhuma das categorias mencionadas.

Diagnóstico diferencial

O termo diagnóstico diferencial se refere aos demais transtornos que apresentam sintomas bastante semelhantes ao transtorno delirante persistente, sendo necessário cautela na hora do diagnóstico para evitar identificações errôneas. Alguns dos diagnósticos diferenciais são:

Esquizofrenia

A esquizofrenia é um transtorno psicótico caracterizado pela presença de sintomas positivos, como alucinações e delírios, e sintomas negativos, como pensamento desorganizado, comportamento motor anormal, embotamento afetivo, entre outros.

Este transtorno se difere da psicose parcial pois a pessoa que sofre de esquizofrenia não consegue manter um comportamento racional de forma consistente, o que leva a prejuízos em diversas esferas da vida.

Transtorno afetivo bipolar

O transtorno bipolar é um transtorno de humor caracterizado por episódios depressivos e episódios de mania. Embora não seja um transtorno psicótico em si, não é raro que pacientes com este transtornos apresentem sintomas psicóticos em períodos de mania, em especial os delírios, característica marcante do transtorno delirante persistente.

Transtorno esquizoafetivo

Assim como o transtorno bipolar, o transtorno esquizoafetivo é permeado por episódios de humor, porém com sintomas psicóticos bastante pronunciados, de intensidade ainda maior do que no transtorno afetivo bipolar.

Transtorno esquizofreniforme

O transtorno esquizofreniforme é caracterizado pelos mesmos sintomas da esquizofrenia, porém com duração limitada a até 6 meses.

Tratamento para o transtorno delirante persistente

O tratamento mais comum para o transtorno delirante persistente é o uso de medicamentos antipsicóticos, que ajudam a equilibrar os neurotransmissores e diminuir os sintomas de alterações de juízo, como os delírios.

Um dos principais desafios no tratamento desse transtorno é fazer o paciente reconhecer a necessidade do tratamento e de tomar a medicação corretamente. Isso porque os delírios são vistos como a realidade absoluta, fazendo com que o paciente apresente resistência em reconhecer sua condição.

A psicoterapia também pode ser benéfica, mas é importante ressaltar que apenas questionar as crenças irreais apresentadas pelos pacientes com este transtorno não costuma ser efetivo, sendo interessante focar em outros aspectos psicológicos apresentados pelo paciente.

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) pode ajudar a diminuir a força da convicção no delírio, bem como diminuir o envolvimento afetivo e prevenir que a pessoa aja sobre o delírio. A terapia também pode ajudar com o treinamento de habilidades sociais, que pode diminuir sentimentos de estar sendo vítima de algum tipo de julgamento e sentimentos de impotência que podem acabar reforçando os delírios.

Prognóstico

O prognóstico se refere ao melhor quadro clínico possível a partir do tratamento, ou seja, até onde a pessoa pode chegar ao tratar o transtorno. No caso do transtorno delirante persistente, o tratamento precoce pode aumentar as chances de remissão, que significa que a pessoa não tem mais sintomas ativos do transtorno. Contudo, o tratamento precoce costuma ser bastante raro, diminuindo as taxas de remissão.

Enquanto uma parte das pessoas diagnosticadas com psicose parcial pode entrar em remissão, outra parte pode acabar sendo diagnosticada com esquizofrenia mais tarde.

Há também pessoas que apresentam um quadro estável, no sentido de que o diagnóstico não muda e a pessoa pode apresentar delírios na mesma intensidade durante vários anos. No entanto, há também casos de pessoas em que a intensidade dos delírios diminui com o tempo, mesmo que não alcance remissão.

Complicações

Caso o transtorno não seja tratado, ele pode trazer uma série de complicações psicossociais. Uma pessoa que sofre com delírios persistentes pode acabar reagindo a situações de acordo com a convicção que possui em seus delírios.

Pessoas que sofrem com delírios de ciúmes, por exemplo, podem apresentar comportamentos bastante abusivos em um relacionamento. Já pessoas que sofrem com delírios relacionados a doenças e integridade física podem acabar gastando muito dinheiro e demais recursos em médicos e exames desnecessariamente. Pessoas com delírios relacionados a infestações podem contratar serviços de dedetização com frequência desnecessária.

Em casos de delírios de grandeza, a pessoa pode acreditar ser mais importante socialmente do que realmente é, levando-a a comportamentos que não são do seu direito, tirando vantagem sobre outras pessoas, entre outros.

Existem também os delírios erotomaníacos, em que a pessoa acredita que celebridades ou outras pessoas que não a conhecem estão apaixonadas por ela. Nestes casos, a pessoa pode apresentar comportamentos tidos como normais, como enviar mensagens, até alguns comportamentos problemáticos, como a perseguição obsessiva (stalking).

Estes são só alguns exemplos de como os delírios podem acabar tendo repercussões na vida da pessoa, o que pode prejudicá-la financeiramente, nas relações interpessoais, na carreira, entre outros.

Embora o transtorno delirante persistente possa ser de difícil detecção por não ser tão incapacitante quanto outros transtornos psicóticos, é importante tratá-lo para evitar os prejuízos que o transtorno pode trazer.

Se você se identificou ou conhece alguém que parece estar apresentando delírios de forma persistente, não hesite em contatar um profissional da saúde mental!

Referências

https://academic.oup.com/schizophreniabulletin/article/40/2/244/1944408?login=false
https://newslab.com.br/caso-jeffrey-dahmer-por-que-o-diagnostico-original-do-serial-killer-era-impreciso/
https://www.theravive.com/therapedia/delusional-disorder-dsm–5-297.1-(f22)
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK519704/table/ch3.t20/
https://www.sanarmed.com/tudo-que-voce-precisa-saber-sobre-transtorno-delirante-pospsq
https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/esquizofrenia-e-transtornos-relacionados/transtorno-delirante

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