Nem sempre estamos contentes com nossa aparência e tentar mudar uma coisa ou outra para satisfazer nossos desejos pode ser benéfico.
No entanto, a busca por uma boa autoestima pode se tornar um problema quando a pessoa não apresenta melhoras mesmo depois de investir bastante em sua aparência.
Nestes casos, pode-se pensar que a questão não é necessariamente um defeito específico, mas sim um transtorno mental chamado transtorno dismórfico corporal.
Neste texto, iremos falar sobre o transtorno, seus sintomas, dificuldades no diagnóstico, possíveis diagnósticos diferenciais e o tratamento que pode ser feito para contornar a situação!
O que é o transtorno dismórfico corporal?
Conhecido também como TDC, o transtorno dismórfico corporal é um transtorno mental no qual a pessoa apresenta preocupação intensa e desproporcional em relação a um ou mais defeitos percebidos na própria aparência.
Esse defeito pode ser apenas imaginado ou pode ser real, porém é mínimo e pouco perceptível, mas a pessoa o percebe de forma exagerada.
Por conta dessa percepção, a pessoa passa a apresentar pensamentos obsessivos e comportamentos compulsivos como checar-se no espelho repetidas vezes ou adotar medidas para esconder o defeito percebido, chegando até mesmo a procurar procedimentos estéticos para “correção” do problema.
Alguns exemplos de imperfeições percebidas são tamanho do nariz, olhos desalinhados, imperfeições na pele, tamanho dos membros, entre outros. Quando uma pessoa sofre de TDC, ela tende a ignorar a opinião dos outros ou até mesmo suas percepções reais diante de um espelho, por exemplo, acreditando muito mais na sua impressão de que tem uma imperfeição.
Não é raro que a pessoa desenvolva também baixa autoestima, sentimentos de vergonha e eventualmente acabe se isolando socialmente por conta da insegurança trazida pelo problema.
O transtorno costuma ter início na adolescência. Antigamente acreditava-se que acometia mais mulheres, mas hoje em dia essa estimativa está em revisão por conta de um quadro crescente de homens que se preocupam muito com a própria aparência. Estima-se que ele esteja presente entre 1 a 2% da população geral.
O TDC pode ser considerado um transtorno dentro do espectro obsessivo-compulsivo, ou seja, há algumas semelhanças com o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), embora não seja a mesma coisa.
Há casos em que pessoas que sofrem de TDC buscam cirurgias estéticas para corrigir a imperfeição percebida. No entanto, mesmo que a correção seja feita, dificilmente uma pessoa com TDC considera seu problema resolvido, e acaba fazendo mais e mais cirurgias, podendo até mesmo danificar estruturas de seu corpo de forma irreversível.
Trata-se de um transtorno crônico, que não se resolve em pouco tempo, e os sintomas podem surgir tanto de maneira gradual (aos poucos) quanto de forma súbita.
Causas e fatores de risco
Assim como em grande parte dos transtornos mentais, as causas do TDC não são muito bem estabelecidas. Estima-se que o transtorno surja da interação entre genes e ambiente, culminando no aparecimento dos sintomas.
De forma geral, podemos citar a cultura contemporânea e seu foco em beleza, sempre ditando padrões estéticos que devem ser seguidos a todo custo para que uma pessoa seja considerada atraente.
Ainda que, racionalmente, seja possível entender que a atração não depende apenas de aparência física e funciona de formas diferentes para diferentes pessoas, a indústria da beleza vende padrões ideais que geram uma grande pressão social em pessoas que não se encaixam nesses padrões.
Contudo, apenas a cultura não é o bastante para justificar o surgimento dos sintomas do TDC, considerando que há, sim, muitas pessoas fora do padrão vigente que possuem uma boa autoestima e gostam de si como são. É aí que entra a influência da carga genética que, de alguma forma, deixa uma pessoa mais propensa a desenvolver o transtorno a partir dessa pressão social.
Em outras palavras, acredita-se que se trata de um jogo tanto de fatores genéticos quanto de pressões sociais que fazem com que alguém chegue a desenvolver o transtorno dismórfico corporal.
Vale ressaltar que a criação da pessoa também pode influenciar no aparecimento do problema. Pais e cuidadores que reforçam os supostos defeitos ou que são excessivamente críticos em relação a aparência podem impactar diretamente a percepção que a pessoa tem de si mesma e do seu corpo.
Sintomas do transtorno dismórfico corporal
O principal sintoma do transtorno dismórfico corporal é uma obsessão com algum aspecto do próprio corpo, que é visto como imperfeito ou defeituoso de alguma forma. É mais comum que esses defeitos sejam no rosto ou na cabeça, mas pode ocorrer em qualquer parte do corpo, como membros, mamas, glúteos, entre outros.
A preocupação pode ser, por exemplo:
- Tamanho de partes do corpo, como mamas, glúteos, órgão genital, partes da face como nariz, olhos, entre outros;
- Preocupações com acne e suas consequentes cicatrizes;
- Presença de rugas, que podem ser percebidas como mais visíveis do que realmente são;
- Alinhamento dos olhos;
- Falta de simetria no rosto ou no corpo como um todo;
- Excesso ou falta de pelos faciais e corporais;
- Dismorfia muscular, em que a pessoa acredita ter um corpo não musculoso o suficiente, sendo mais comum em homens.
Pacientes com TDC tendem a descrever essas imperfeições de forma bastante enfática, não como simples imperfeições mas como algo deformado, abominável ou monstruoso, como algo que não deveria ser possível em um ser humano.
Além dessas percepções, a pessoa com TDC também pode demonstrar os seguintes sintomas:
- Olhar-se no espelho com frequência, de forma repetida, para checar suas imperfeições, semelhante a uma pessoa com TOC que checa diversas vezes se trancou a porta ou não;
- Acreditar que as pessoas percebem suas imperfeições e as julgam, podendo até mesmo zombar delas e comentar sobre com outras pessoas;
- Contrariamente ao primeiro ponto, há pessoas que evitam espelhos e superfícies reflexivas para não precisar encarar suas imperfeições percebidas;
- Buscar validação de outras pessoas de forma frequente, perguntando incessantemente se seu defeito é perceptível ou tão evidente, podendo cansar amigos e familiares que precisam sempre reafirmar a pessoa;
- Uso de roupas mais largas para esconder imperfeições corporais;
- Pesquisar excessivamente sobre procedimentos estéticos que deseja realizar;
- Consultar dermatologistas e cirurgiões estéticos com frequência, ainda que estes indiquem que não há nada fora do padrão ou para ser corrigido;
- Praticar higiene excessiva;
- Arrancar cabelos ou mutilar a pele para se livrar dos defeitos percebidos, podendo resultar em lesões;
- Uso de anabolizantes e suplementos, mesmo que de procedência duvidosa, para auxiliar no ganho de músculo e perda de gordura, mesmo sem necessidade;
- Isolamento social por conta das inseguranças em relação a própria aparência.
É importante ressaltar que grande parte das pessoas com TDC também não percebe que está lidando com um transtorno mental, considerando ser apenas uma questão estética de fácil resolução. No entanto, as tentativas de correção e procedimentos estéticos não funcionam, pois não trazem alívio aos sentimentos e preocupações da pessoa com o transtorno dismórfico corporal.
Não raramente, essas pessoas desenvolvem comorbidades como sintomas depressivos e ansiosos, que por sua vez podem exacerbar os sintomas do TDC.
Dificuldades no diagnóstico
Embora muitos transtornos mentais sejam de difícil diagnóstico, o transtorno dismórfico corporal certamente possui uma série de contribuintes para que passe despercebido durante muito tempo.
Isso porque, como dito anteriormente, existe toda uma cultura e uma indústria da beleza que, de certa forma, normaliza a busca por se encaixar em um padrão. Assim, muitas pessoas que sofrem de TDC acreditam que seus sintomas são apenas insatisfações normais, que toda pessoa tem, e não procuram ajuda em serviços de saúde mental, mas sim em clínicas de estética.
Em muitos casos, é só depois que a pessoa já fez diversas cirurgias e procedimentos estéticos que as pessoas começam a suspeitar que se trata de uma questão mais profunda e psicológica, pois mesmo quando a pessoa atinge o padrão que tanto almeja, continua se vendo de forma distorcida e querendo fazer ainda mais intervenções.
Portanto, é interessante que alguém que deseja realizar algum procedimento estético faça também acompanhamento psicológico ou até mesmo psiquiátrico, a fim de detectar o problema antes que seja tarde.
Vale ressaltar que não há nada de errado em querer mudar alguma coisa na própria aparência. Todos têm o direito de buscar a estética que desejam. Contudo, a questão é justamente quando, não importa a quantos procedimentos a pessoa seja submetida, ela nunca parece estar satisfeita, sempre encontrando novos “defeitos” ou até mesmo considerando que a imperfeição que queria modificar não foi corrigida, ainda que tenha tido bons resultados.
Diagnóstico diferencial
O transtorno dismórfico corporal foi adicionado ao Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) apenas na década de 80. Anteriormente a isso, o transtorno era frequentemente diagnosticado como transtornos psicóticos, de humor ou de personalidade.
Apesar disso, ainda hoje, o transtorno pode ser confundido com outros, pois há mais transtornos que podem afetar a autoimagem, fazendo a pessoa ter dificuldades em se sentir bem no próprio corpo. São eles:
Transtornos alimentares
Nestes transtornos, ao invés da pessoa se preocupar muito com uma ou outra característica, a preocupação maior é com o peso corporal e a alimentação. A pessoa pode desenvolver padrões de alimentação anormais, como deixar de comer por muito tempo, ou comer e depois expurgar o que foi consumido.
Às vezes, os transtornos alimentares podem surgir como uma comorbidade do transtorno dismórfico corporal.
Disforia de gênero
A disforia de gênero aparece quando a preocupação da pessoa é em relação ao próprio gênero. Pessoas nascidas com um corpo masculino, por exemplo, podem ter o desejo de ter características sexuais secundárias femininas, como o desenvolvimento de mamas.
Nestes casos, não se trata de um descontentamento com alguma parte do corpo, mas sim de uma questão com seu próprio gênero como um todo e com a percepção que outras pessoas podem ter de si por conta do gênero.
Para estes casos, o tratamento geralmente consiste na transição de gênero.
Entenda melhor: Disforia de gênero: o que é? Como tratar?
Tratamento do transtorno dismórfico corporal
O tratamento do TDC geralmente é feito com medicação e terapia, em especial a terapia cognitivo-comportamental (TCC), que tem bastante respaldo científico acerca de sua eficácia para este transtorno.
Tratamento medicamentoso
Em geral, é comum que psiquiatras prescrevam antidepressivos para o tratamento do TDC. Isso porque estes medicamentos são conhecidos por diminuírem sintomas compulsivos, incluindo os pensamentos obsessivos a respeito da própria aparência, bem como sintomas de humor, que podem exacerbar problemas de autoestima e outros sintomas do transtorno dismórfico corporal.
Há pacientes que não respondem tão bem ao tratamento só com antidepressivos e, nesses casos, o psiquiatra pode prescrever também medicamentos potencializadores, como antipsicóticos e moduladores do glutamato.
Terapia cognitivo-comportamental (TCC)
A terapia cognitivo-comportamental trabalha com a reestruturação cognitiva, buscando melhorar a percepção que a pessoa tem de si mesma e do mundo ao seu redor.
Quando adaptada aos sintomas do TDC, a TCC pode ajudar a combater as distorções no pensamento causadas pelo transtorno, bem como nos rituais que são feitos para lidar com os sintomas, que geralmente se reforçam e se auto perpetuam.
Além disso, a TCC tende a ajudar com que o transtorno não se torne tão prejudicial a ponto da pessoa acabar se isolando socialmente.
Consequências do TDC não tratado
Como muitos casos de transtorno dismórfico corporal passam desapercebidos, muitas pessoas sofrem com consequências marcantes do problema. Dentre elas estão:
Prejuízos sociais e profissionais
Pessoas que se isolam por conta da autoestima abalada podem acabar tendo prejuízos na manutenção de relações interpessoais. Além disso, é comum que essas pessoas também evitem se expor em locais públicos, podendo acarretar em dificuldades para manter-se na escola, na universidade, ou em um emprego presencial, por exemplo.
Desenvolvimento de outros transtornos
Como já citado anteriormente, não é raro que pessoas com TDC desenvolvam sintomas depressivos e ansiosos. Os impactos da autoestima negativa podem influenciar diretamente no surgimento desses sintomas.
Ideação suicida
Em casos mais severos, a pessoa com transtorno dismórfico corporal pode desenvolver ideação suicida, ou seja, ter pensamentos de suicídio, chegando a planejar uma tentativa ou até mesmo consumar o ato. Quando o transtorno não é tratado, é frequente que tentativas de resolver o problema por métodos estéticos sejam frustradas, levando a pessoa a perder toda a esperança.
Embora cuidar da própria aparência seja benéfico para a autoestima, nem sempre esses cuidados refletem em melhorias reais no bem-estar. Se você percebe que tem problemas com sua aparência que não são resolvidos não importa o que você faça, não hesite em buscar ajuda de um profissional da saúde mental!
Referências
Torres, A. R., Ferrão, Y. A., & Miguel, E. C.. (2005). Transtorno dismórfico corporal: uma expressão alternativa do transtorno obsessivo-compulsivo?. Brazilian Journal of Psychiatry, 27(2), 95–96. https://doi.org/10.1590/S1516-44462005000200004
https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/body-dysmorphic-disorder/symptoms-causes/syc-20353938
https://www.nhs.uk/mental-health/conditions/body-dysmorphia/
https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtorno-obsessivo-compulsivo-e-transtornos-relacionados/transtorno-dism%C3%B3rfico-corporal#Tratamento_v1030129_pt
https://sanarmed.com/resumo-de-transtorno-dismorfico-corporal-ligas/