Se você tem filhos ou convive com crianças já deve ter percebido que, vez ou outra, elas podem acabar tendo acidentes como fazer xixi na cama, mesmo depois de já terem aprendido a usar o banheiro corretamente.
Situações assim podem ser frustrantes, mas são mais comuns do que se imagina, e há vezes em que podem fazer parte de algo maior chamado transtorno de eliminação.
Esses transtornos envolvem dificuldades no controle da urina ou das fezes, que podem surgir mesmo depois de a criança já ter aprendido a usar o banheiro.
Neste texto, vamos entender o que são transtornos de eliminação, os tipos, suas causas e possíveis tratamentos.
O que são transtornos de eliminação?
Os transtornos de eliminação são condições que afetam a capacidade de controle de necessidades fisiológicas como a micção e a evacuação. Embora tais transtornos sejam mais comuns na infância, podem persistir em algumas pessoas, acompanhando-as até algumas idades mais avançadas.
Apesar de serem transtornos com um forte componente fisiológico, há evidências de que eles possuem alguma relação com o bem-estar psicológico e emocional da criança. Neste sentido, o tratamento pode necessitar também de cuidados com a saúde mental.
Tipos de transtornos de eliminação
As principais categorias de transtornos de eliminação são a enurese (relativo à urina) e encoprese (relativo às fezes).
Enurese
A enurese se caracteriza pela perda involuntária de urina, especialmente durante o sono, sendo mais frequente em crianças. Pode estar relacionada a um atraso no desenvolvimento do controle da bexiga, fatores genéticos ou até mesmo a questões emocionais, como estresse e ansiedade.
A enurese pode ocorrer exclusivamente durante a noite, enquanto a criança está dormindo, exclusivamente durante o dia, enquanto está acordada, ou pode ocorrer nos dois momentos.
Contudo, estima-se que a enurese diurna seja diferente da enurese noturna em fatores biológicos, e os dois tipos apresentam padrões de comorbidades diferentes.
Encoprese
Já a encoprese refere-se à evacuação de fezes em locais inadequados, podendo ocorrer devido a problemas como constipação crônica, dificuldades emocionais ou falta de aprendizagem adequada do controle esfincteriano.
Também pode ocorrer quando a criança não percebe os sinais do corpo de que precisa evacuar, ou quando os ignora por algum motivo, o que pode levar a não aguentar e acabar evacuando na roupa.
Na encoprese, a evacuação em locais inapropriados pode ocorrer tanto de forma voluntária quanto involuntária. Em outras palavras, a evacuação pode ser intencional ou não, e é importante diferenciar esses dois casos para evitar que a criança seja submetida a um tratamento inadequado da sua condição.
Causas dos transtornos de eliminação
Os transtornos de eliminação podem surgir por diversos motivos, sendo que alguns são mais específicos que outros. Vale ressaltar que qualquer condição que afeta a interocepção (a capacidade da pessoa sentir e interpretar os sinais do próprio corpo) pode acabar resultando em sintomas de transtornos de eliminação.
Enurese
As causas da enurese podem ocorrer tanto por fatores biológicos quanto psicológicos e ambientais. Entre as principais causas estão:
- Atraso no desenvolvimento do controle da bexiga;
- Produção excessiva de urina à noite;
- Capacidade reduzida da bexiga;
- Problemas neurológicos que afetam a comunicação entre a bexiga e o cérebro;
- Estresse e ansiedade causados por mudanças na rotina como o nascimento de um irmão, início da escola ou separação dos pais;
- Problemas emocionais, como sintomas depressivos e ansiosos, que podem se manifestar em crianças de formas diferentes dos adultos, incluindo a enurese;
- Treinamento inadequado para o uso do banheiro, envolvendo uma rigidez em demasia ou uma tentativa de treinamento precoce demais;
- Dificuldade para despertar quando precisa urinar durante a noite;
- Consumo excessivo de líquidos antes de dormir.
Encoprese
- Constipação (prisão de ventre);
- Sensibilizade reduzida na região anal;
- Dificuldades de interocepção (entender os sinais do próprio corpo);
- Medo ou vergonha de ir banheiro e usar o vaso sanitário;
- Dificuldades para ir ao banheiro fora de casa.

Sintomas de enurese e encoprese
Embora tanto a enurese quanto a encoprese sejam o mesmo tipo de transtorno, os sintomas podem ser bastante diferentes. Entenda:
Enurese
A enurese é caracterizada pela criança fazer xixi na cama repetidas vezes, mesmo já sabendo usar o banheiro. Se isso ocorre logo que ela aprende a usar o banheiro, se chama enurese primária.
Às vezes, o xixi na cama passa a acontecer depois de mais de 6 meses da criança já ter aprendido a usar o banheiro. Ou seja, são 6 meses sem incidentes, até que se iniciam os episódios de enurese noturna. Nestes casos, chama-se de enurese secundária.
Vale ressaltar que a enurese também pode ocorrer durante o dia, e nestes casos a criança pode fazer xixi em lugares inadequados como o sofá, por exemplo.
Encoprese
Os principais sintomas da encoprese são:
- Fezes sólidas ou manchas de fezes líquidas na roupa íntima;
- Constipação;
- Necessidade de fazer força para defecar;
- Fezes secas ou duras;
- Dificuldades nos movimentos intestinais.
Diagnóstico
O diagnóstico só é feito de a criança apresenta episódios de eliminação repetidas vezes durante a semana por pelo menos 3 meses.
A enurese só pode ser diagnosticada a partir dos 5 anos de idade, enquanto a encoprese pode ser diagnosticada a partir dos 4. Isso se dá porque, durante o desenvolvimento, espera-se que a criança aprenda a controlar a evacuação mais cedo do que a micção.
O critério da repetição frequente é importante pois, mesmo depois de uma certa idade, a criança pode acabar procrastinando para ir ao banheiro quando está brincando e se divertindo, fazendo com que ela acabe tendo um pequeno acidente por não conseguir se segurar. Isso pode acontecer e é completamente normal, sendo necessário apenas ajudar a criança a entender que é preciso respeitar o próprio corpo e suas necessidades.
Nos casos em que a criança realmente tem um transtorno de eliminação, não se trata de um problema tão simples. Geralmente, estes transtornos estão relacionados também a outras vivências que a criança tem, como dificuldades sociais, dificuldades escolares ou dificuldades em outras áreas que prejudicam o funcionamento da criança.
Além disso, o diagnóstico só é feito quando os sintomas não são melhor explicados por uso de substâncias (como chás e medicamentos diuréticos, por exemplo) ou por outras condições médicas, como diabetes, epilepsia, espinha bífida, entre outros.
Tratamentos
O tratamento dos transtornos de eliminação podem ser bastante diferenciados, considerando o tipo (enurese, encoprese), o tempo em que ocorre (noturno ou diurno) e os fatores que podem estar influenciando o transtorno.
Enurese
A enurese pode ser tratada por meio de intervenções comportamentais como:
- Redução de ingestão de líquidos à noite;
- Evitar bebidas diuréticas ao fim do dia;
- Programar idas ao banheiro durante o dia e especialmente durante a noite, caso a pessoa tenha dificuldade em acordar para ir ao banheiro;
- Utilização de um dispositivo que emite som ou vibração ao detectar umidade na roupa de cama ou na roupa íntima, para fazer a pessoa acordar e associar, de forma inconsciente, a necessidade de ir ao banheiro com o despertar.
Em casos no qual a enurese é secundária e surge a partir de questões emocionais, como ansiedade e estresse, a psicoterapia pode ser de grande ajuda. O tratamento, então, não é tão focado na enurese em si, mas nas condições que fazem com que ela se manifeste.
Por fim, em alguns casos, pode-se fazer um tratamento medicamentoso com remédios que reduzem a produção de urina durante a noite, bem como antidepressivos e anticolinérgicos (quando há suspeita de hiperatividade da bexiga).
Encoprese
Grande parte dos casos de encoprese estão relacionados a um constipação crônica. Por conta disso, conseguir regular o intestino pode ajudar. Isso pode ser feito por meio de uma dieta equilibrada e, em casos mais graves, uso de medicamentos laxantes orais, supositórios ou até mesmo enemas (quando há uma grande quantidade de fezes paradas no intestino).
Também é possível tratar a encoprese com intervenções comportamentais visando o treinamento intestinal. Para isso, a criança deve:
- Ser incentivada a sentar no vaso sanitário todos os dias, mesmo que não consiga fazer nada;
- Ajustar a posição no vaso sanitário com um apoio para os pés (pode ser uma banquetinha), pois manter as pernas levemente elevadas ajuda a diminuir o esforço necessário para evacuar;
- Ser incentivada a buscar o banheiro sempre que sentir alguma movimentação na região intestinal, mesmo que não seja muito forte e não indique a necessidade urgente de ir ao banheiro;
- Aumentar a ingestão de água e o consumo de fibras diariamente;
- Praticar exercícios físicos, pois manter o corpo em movimento ajuda na motilidade intestinal.
Em alguns casos, a criança pode ter problemas de interocepção e simplesmente não perceber que precisa ir ao banheiro, o que contribui para que ela retenha as fezes e piore a constipação. Por isso, treinar horários específicos para ir ao banheiro pode fazer o corpo associar esse horário com o momento de evacuar, fazendo com que o processo possa ocorrer sem acidentes mesmo que a pessoa tenha dificuldades em perceber as próprias necessidades.
Assim como na enurese, questões emocionais podem ter algum impacto no tratamento, então a psicoterapia também pode ajudar nesses casos. Não é raro que crianças que sofrem de encoprese acabem desenvolvendo sentimentos intensos de vergonha, ansiedade e baixa autoestima, que podem ser tratados dentro da terapia.

Embora os transtornos de eliminação sejam bem desagradáveis, eles podem ser diagnosticados e tratados. Se você percebe que seu filho ou alguma criança de sua convivência está tendo acidentes como esses com muita frequência, não hesite em buscar um profissional!
Referências
https://www.verywellmind.com/elimination-disorders-symptoms-causes-and-remedies-5220383
https://courses.lumenlearning.com/wm-abnormalpsych/chapter/elimination-disorder/
https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC10501701/
https://hupcfl.com/health-library/what-are-elimination-disorders/
https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/15346501221107133