Vacina contra cocaína: como funciona? Quando será lançada?

Tratamento em fase de testes para dependência química tem resultados interessantes. Veja mais aqui!
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No Brasil, a cocaína é a segunda substância ilícita mais consumida. A dependência dessa substância e seus derivados (como o crack) é um problema de saúde pública global, e a comunidade médica ainda está em busca de um tratamento efetivo.

É fato que muitas pessoas conseguem se recuperar do vício depois de seguir protocolos já existentes de desintoxicação e tratamento psicoterápico. No entanto, há muitos que também acabam tendo recaídas, voltando à adicção ativa (quando a pessoa volta a agir de forma viciada).

É neste contexto que surgem pesquisas como a da vacina Calixcoca, desenvolvida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Neste artigo, falaremos sobre essa vacina, como andam as pesquisas, se existe uma previsão de lançamento para o público geral e outros desafios que existem no tratamento de pessoas dependentes de cocaína e seus derivados.

O que é a vacina para cocaína?

A vacina para cocaína é uma nova vacina em fase de testes para o tratamento de pessoas com dependência de cocaína e derivados, como o crack. Não se trata de uma vacina preventiva, no sentido de prevenir a pessoa de adoecer, mas sim um novo tratamento para ajudar no combate à dependência química.

A substância por trás da vacina é a Calixcoca, que recebe esse nome devido à estrutura do agente imunizante, chamado “calixarene”. Embora já tenham existido outros protótipos de vacinas para tratar a dependência de cocaína, eles foram descontinuados pois não tiveram resultados bons o suficiente em ensaios clínicos. Já a Calixcoca mostra resultados promissores em testes com animais, incluindo a capacidade de proteger o feto dos efeitos da cocaína em casos de gravidez.

Pelo seu potencial promissor, a vacina já foi patenteada no Brasil e nos Estados Unidos e ganhou o Prêmio Euro de Inovação na Saúde em 2023, promovido pela Eurofarma.

Como funciona a vacina para cocaína?

O calixarene (agente imunizante da vacina) age como um transporte para um antígeno, que é uma substância análoga à cocaína, provocando uma reação imune à cocaína e fazendo o organismo produzir anticorpos para destruí-la.

Esse antígeno funciona para provocar uma reação imunológica porque a substância possui um peso molecular maior, coisa que a cocaína em si não tem e, por conta disso, acaba passando “despercebida” pelo sistema imunológico.

A partir do contato com esse antígeno análogo à cocaína, o sistema imunológico aprende, então, a combater as moléculas da cocaína, mesmo que elas não tenham o mesmo peso molecular.

Os experimentos iniciais foram feitos em animais e demonstraram eficácia na produção de anticorpos que atacam a cocaína como se ela fosse um antígeno.

Em outras palavras, é como se o sistema imunológico enxergasse a cocaína como um vírus ou bactéria, produzindo e liberando anticorpos para atacar a substância e prejudicar sua capacidade de passar pela barreira hematoencefálica, ou seja, a cocaína não consegue chegar ao cérebro para que a droga faça efeito.

Com isso, a pessoa não percebe mais o efeito da substância como era antes, fazendo com que o desejo fique suprimido. É como se usar a droga “perdesse a graça”.

Por que precisamos de mais tratamentos?

A realidade é que o tratamento da dependência química é bastante complexo e, embora efetivo, ainda há muitos casos de recaídas.

Em geral, os protocolos atuais de tratamento se baseiam na desintoxicação (quando a pessoa cessa completamente o uso da substância e passa pelos estágios de abstinência) e uma abordagem multidisciplinar que combina cuidados médicos, psicológicos e sociais a fim de ajudar a pessoa a se restabelecer.

Os cuidados médicos são importantes principalmente na fase de desintoxicação, considerando que algumas substâncias podem causar abstinências realmente perigosas que colocam a vida da pessoa em risco, como é o caso da abstinência de álcool.

Em alguns casos, há medicamentos que podem ajudar a combater o vício, como é o caso de alguns antidepressivos que ajudam a controlar o tabagismo. O alcoolismo costumava ser tratado com uma substância chamada dissulfiram, que também era usada no tratamento da dependência de cocaína (embora este não seja o seu uso oficial). No entanto, o medicamento foi retirado do mercado brasileiro pela própria fabricante em 2019.

No caso da cocaína e seus derivados, o fenômeno da fissura adiciona mais uma camada de complexidade no tratamento. A fissura pode ser descrita como um desejo intenso e muitas vezes incontrolável de fazer o uso da substância, o que faz com que muitas pessoas tenham recaídas frequentes ainda que estejam se tratando. Estatísticas apontam que entre 70 e 80% das pessoas em tratamento acabam tendo pelo menos uma recaída.

Além disso, ainda não existem medicamentos para ajudar no tratamento da dependência de cocaína especificamente, ao contrário do que ocorre com o tratamento do alcoolismo e tabagismo.

Por fim, não é raro que usuários de cocaína e seus derivados cheguem ao tratamento quando já perderam tudo, ou seja, quando perdem emprego, família, suas casas, entre outros. Isso também complica muito mais o tratamento, pois o ambiente social em que a pessoa está inserida tem uma influência muito grande no combate à dependência.

No Brasil, a existência de áreas urbanas conhecidas como cracolândias, onde há uma grande população de pessoas dependentes químicas em situação de vulnerabilidade social, evidencia que a cocaína e seus derivados são um problema não apenas para os usuários e familiares, mas para a sociedade como um todo. Em outras palavras, encontrar novas maneiras de tratar a dependência de cocaína é uma questão bastante urgente.

Quando a vacina se tornará disponível ao público?

Não existe, no momento, uma estimativa de quando a vacina poderá ser usada pelo público geral. Isso porque, antes de ser lançada dessa forma, toda substância precisa passar por uma série de testes e pesquisas para confirmar sua segurança e eficácia.

No momento, a previsão é de que os primeiros testes em humanos sejam feitos agora em 2025, mas até que a vacina esteja disponível para a população, ainda pode levar alguns anos.

Os primeiros testes em animais foram feitos em roedores e primatas não humanos, especialmente o sagui-de-tufos-pretos (Callithrix penicillata). De acordo com esses testes, os animais não apresentaram efeitos colaterais significativos. Contudo, isso não garante que a vacina será 100% segura para humanos ainda.

Além disso, mesmo que a performance seja boa em animais, não há garantias de que o efeito da vacina será o mesmo em seres humanos. Não é raro que substâncias testadas em animais tenham um efeito reduzido no ser humano, o que pode fazer com que o tratamento com essas substâncias seja inviável.

Por conta disso, ainda serão necessários muitos teste e não há garantia de que a vacina estará disponível em breve.

Complicações possíveis

Apesar da vacina ser promissora, existem algumas complicações que já foram observadas em outros estudos, com outras substâncias.

Às vezes, o tratamento com vacinas não funcionou porque as vacinas não conseguiram manter seu efeito por muito tempo, o que faria com que a pessoa precisasse tomar novas doses da vacina com uma frequência muito grande.

Contudo, uma das piores complicações que podem ocorrer é justamente nos pacientes que, influenciados pela própria dependência na substância, podem acabar consumindo doses maiores da droga para tentar combater os efeitos da vacina e alcançar os efeitos recreativos da substância, o que pode levar a pessoa ao risco de overdose.

Neste sentido, o uso isolado da vacina para combater a dependência química não seria o suficiente, sendo necessário manter o tratamento multidisciplinar com profissionais da saúde mental e da assistência social para que a pessoa realmente consiga tratar o vício.

Embora a vacina para cocaína ainda não esteja disponível, é importante lembrar que existem novos tratamentos sendo desenvolvidos a todo tempo para lidar com situações de saúde pública que necessitam de atenção urgente, como é o caso da dependência química. No entanto, existem ainda outras formas de tratamento que podem ajudar.

Se você sente que está lidando com um problema parecido ou conhece alguém que sofre de dependência química, não hesite em buscar ajuda com um profissional da saúde mental!

Referências

https://revistapesquisa.fapesp.br/en/a-potential-vaccine-against-cocaine-addiction/
https://ufmg.br/comunicacao/noticias/calixcoca-e-a-vencedora-do-premio-euro
https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/deutsche-welle/2024/04/02/vacina-para-dependencia-em-cocaina-e-vista-com-ceticismo-por-especialistas.htm
https://oglobo.globo.com/saude/medicina/noticia/2023/10/26/cocaina-como-funciona-a-vacina-brasileira-para-dependencia-que-ganhou-premio-internacional.ghtml
https://www.dw.com/en/cocaine-vaccine-could-it-help-drug-addicts/a-68681678
https://www.cnnbrasil.com.br/saude/vacina-da-ufmg-contra-a-dependencia-de-cocaina-e-crack-vence-o-premio-euro/

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