Viés otimista: por que algumas pessoas acham que não estão vulneráveis?

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin

Diante de cenários de perigo como a atual pandemia do Covid-19, estamos lidando com períodos de quarentena e isolamento social a fim de evitar a propagação do novo vírus. Contudo, ainda assim é possível ver pessoas nas ruas, visitando amigos, fazendo festas, mesmo que a Organização Mundial da Saúde seja bem enfática nas recomendações contra aglomerações. Você já se perguntou por quê isso acontece? Como pode uma pessoa em sã consciência não estar com medo de pegar o vírus?

Pesquisas na área da psicologia trazem uma resposta: trata-se do viés otimista, também conhecido como ilusão de invulnerabilidade ou até mesmo fábula pessoal. Todos estes nomes se referem à tendência que as pessoas têm de subestimar os riscos de vivenciar algum infortúnio, como um divórcio, uma doença, um acidente, entre outros. Esse viés faz com que as pessoas pensem que têm menos chances de sofrer situações adversas do que as outras pessoas. Sendo assim, muitas pessoas acreditam que os outros vão pegar o vírus, mas elas mesmas provavelmente não vão ou, se pegarem, não vão desenvolver sintomas graves e, portanto, não obedecem às recomendações.

Só que esse viés otimista não afeta apenas em épocas de pandemia. De fato, ele está presente na vida das pessoas o tempo inteiro, sendo um fator que influencia diversos comportamentos problema em nossa sociedade, como o hábito de beber e dirigir sob influência do álcool ─ uma das principais causas de morte em jovens adultos. Esse hábito é mais comum em motoristas mais jovens justamente porque essa ilusão de invulnerabilidade está muito atrelada a um “egocentrismo adolescente”, um fenômeno psicológico comum mas que costuma ser superado conforme a idade avança.

Pessoas mais jovens tendem a criar uma “fábula pessoal”, ou seja, uma narrativa sobre suas próprias vidas nas quais são colocadas como heróis/heroínas e, portanto, não estão vulneráveis aos perigos que ameaçam as outras pessoas. Portanto, mesmo comportamentos de risco não são vistos como arriscados.

Embora a invulnerabilidade seja mais comum em pessoas mais jovens, há também pessoas mais velhas que sofrem com esse problema, talvez por acharem que estão saudáveis e, portanto, não correm riscos.

O que mostram as pesquisas?

Em 2018, uma pesquisa publicada em um periódico científico sobre psicologia e trânsito (Transportation Research Part F: Traffic Psychology and Behaviour) buscava entender o que fazia com que as pessoas tivessem o comportamento de beber e dirigir, mesmo sabendo dos riscos. Para isso, Catherine Potard e seus colegas coletaram dados de uma amostra de 368 motoristas franceses, com a idade média de 23 anos. Cerca de um terço dos participantes disseram ter dirigido após beber nos últimos 12 meses.

Inicialmente, os pesquisadores pensaram que esse comportamento poderia ser explicado pela Teoria do Comportamento Planejado, na qual um comportamento pode ser previsto por meio das intenções das pessoas. Ou seja, se uma pessoa deseja parar de fumar, por exemplo, existe uma tendência maior de que ela realmente pare de fumar. Contudo, existem alguns fatores que influenciam nesse cenário:

  1. As atitudes da pessoa em relação ao problema: Se a pessoa acredita que fumar faz mal, ela tem uma maior tendência a tentar parar de fumar. Caso ela não acredite que faz mal, muito provavelmente ela nem tentará parar;
  2. O que é percebido como norma: Diversos órgãos de saúde e pesquisas afirmam que o hábito de fumar tem consequências muito negativas para a saúde;
  3. A capacidade que a pessoa tem de se controlar: Saber que fumar faz mal e acreditar nisso é o primeiro passo, mas não havendo muito controle sobre si mesma, dificilmente a pessoa conseguirá parar de fumar.

Embora esses 3 aspectos já expliquem muito do porquê pessoas se engajam em comportamentos de risco, ainda falta um dos componentes chaves da manutenção desses comportamentos: o fato de que muitas das pessoas realmente acreditam que as coisas ruins não vão acontecer com elas, só com os outros. Precisamente, o viés otimista/a ilusão de invulnerabilidade.

A fim de medir melhor esse último fator, os pesquisadores também separaram a ilusão de invulnerabilidade em três escalas, com afirmações adaptadas para a realidade do trânsito:

  • Invulnerabilidade ao perigo: “As chances de eu me machucar em um acidente são poucas”;
  • Invulnerabilidade interpessoal: “O que as pessoas pensam não me incomoda”;
  • Invulnerabilidade psicológica: “Meus sentimentos não serão magoados”

O que os pesquisadores acharam é que, de fato, a Teoria do Comportamento Planejado é capaz de prever um comportamento de dirigir sob a influência do álcool, tendo como principal fator contribuinte a percepção da capacidade de ter o controle sobre a situação. Já no que tange a ilusão de invulnerabilidade, há uma correlação entre a invulnerabilidade psicológica e a percepção subjetiva de controle da Teoria do Comportamento Planejado. De acordo com os pesquisadores, é como se essas pessoas se sentissem protegidas pelas suas próprias fábulas pessoais e percebesse as outras pessoas como favoráveis a essas fábulas. Além disso, os resultados também mostram que quanto maior a invulnerabilidade interpessoal (não ligar para o que os outros pensam), maior as chances de uma pessoa se engajar em comportamentos de risco. Por fim, a invulnerabilidade ao perigo também afeta a tendência a comportamentos de risco, uma vez que a pessoa tem uma ilusão de controle sobre a situação e sobre os riscos a serem corridos.

A ilusão de invulnerabilidade tem seu lado positivo

Até agora, foi possível ver que a ilusão de invulnerabilidade pode levar a uma série de comportamentos de risco. Contudo, ela não favorece apenas ações que podem causar prejuízos, mas também ações que podem dar resultados positivos futuramente.

Ao pensar sobre o futuro, por exemplo, muitas pessoas têm sonhos que querem realizar. Olhando pela perspectiva da ilusão de invulnerabilidade, a pessoa tende a tomar atitudes que favorecem a realização destes sonhos, ligando pouco para os riscos. É o caso do jovem empreendedor que está começando um negócio, por exemplo ─ se ele presta muita atenção nos riscos, pode acabar desistindo, enquanto focando na possibilidade de sucesso, ele tende a agir de forma a levar o negócio para frente, mesmo com todas as dificuldades.

A ilusão de invulnerabilidade pode ser um verdadeiro problema em momentos como o agora, em que uma pandemia se espalha pelo mundo. É preocupante porque, além de botar a si mesmo em risco, a pessoa coloca outras pessoas em risco devido ao algo risco de contágio da doença. Por isso, medidas de isolamento e quarentena devem ser respeitadas de forma a auxiliar na contenção da doença, para que todos possam voltar às suas atividades do dia a dia o quanto antes.

Se você sente que está sofrendo com sintomas depressivos ou ansiosos, saiba que não está sozinho e que é possível ser ajudado. Não hesite em entrar em contato com um profissional da saúde mental de confiança!

Referências

Potard, C., Kubiszewski, V., Camus, G., Courtois, R., & Gaymard, S. (2018). Driving under the influence of alcohol and perceived invulnerability among young adults: An extension of the theory of planned behavior. Transportation Research Part F: Traffic Psychology and Behaviour, 55, 38–46. doi: org.silk.library.umass.edu/10.1016/j.trf.2018.02.033

https://www.verywellmind.com/what-is-the-optimism-bias-2795031

https://www.psychologytoday.com/us/blog/fulfillment-any-age/202004/why-do-some-people-think-theyre-invulnerable-covid-19

Confira posts relacionados