Todos nós temos desejos e necessidades que, infelizmente, nem sempre podemos resolver sozinhos. Enquanto para algumas pessoas pode ser fácil pedir um favor para alguém, para outras esse processo pode ser um pesadelo.
Algumas pessoas não conseguem pedir o que querem aos outros por achar que não merecem ou por temer a rejeição. Se você é uma dessas pessoas, trago boas notícias: existe uma maneira de tornar o processo bem mais simples!
Não pense que isso é um texto sobre manipulação. Conseguir algo de alguém distorcendo os fatos, apesar de efetivo em alguns casos, é extremamente prejudicial para os relacionamentos a longo prazo. O que queremos aqui é te ajudar a conseguir aquilo que você precisa de uma maneira simples, efetiva e sincera.
Trata-se da técnica do DEAR MAN, uma das habilidades de efetividade interpessoal trabalhadas na terapia comportamental dialética. Essa técnica foca na maneira mais efetiva de pedir algo para alguém e resolver conflitos referentes às suas necessidades.
Terapia comportamental dialética
Antes de entrar na técnica em si, é importante entender um pouquinho sobre a terapia comportamental dialética, frequentemente abreviada como DBT (dialectical behavior therapy). Criada pela psicóloga americana Marsha Linehan, a DBT tem como foco pacientes que apresentam comportamentos de alto risco, como comportamentos suicidas.
Um dos pilares dessa terapia é o desenvolvimento de habilidades para contrabalancear padrões de comportamento negativos que a pessoa desenvolveu ao longo dos anos.
Engana-se quem pensa que essas habilidades só servem para pacientes com algum transtorno severo. Absolutamente todas as pessoas podem se beneficiar ao aprender essas habilidades, que são divididas em habilidades de mindfulness, habilidades de efetividade interpessoal, habilidades de regulação emocional e habilidades de tolerância ao mal estar.
O intuito dessas habilidades é ajudar a pessoa a atingir a autorregulação, ou seja, fazer com que ela seja capaz de lidar com as adversidades de uma maneira efetiva e não prejudicial, o que costuma ser difícil em pacientes de alto risco e pacientes com transtorno de personalidade borderline, por exemplo.
Saiba mais sobre a terapia comportamental dialética (DBT) aqui.
DEAR MAN
Como dito anteriormente, o DEAR MAN é uma habilidade de efetividade interpessoal. Seu propósito é melhorar a qualidade da comunicação entre as pessoas para que a relação não sofra prejuízos.
As palavras “DEAR” e “MAN” são acrônimos. Isso quer dizer que cada uma de suas letras representa uma palavra diferente. Essas palavras são as etapas envolvidas no ato de pedir algo para alguém. Memorizar esses acrônimos é um jeito fácil de lembrar das etapas quando necessário.
Para ilustrar o DEAR MAN em funcionamento, vamos utilizar a seguinte situação: Roberto (nome fictício) é um adolescente no ensino médio e quer um computador novo porque o seu computador atual está velho, lento e ele tem dificuldades para fazer suas tarefas. Por isso, ele precisa pedir um computador novo para seus pais. Como um computador não é algo muito barato, Roberto sabe que simplesmente pedir não vai funcionar: ele precisará de bons argumentos para convencê-los.
A seguir veremos como Roberto irá usar o DEAR MAN:
D: Describe (Descrever)
Descrever a situação de maneira objetiva é o primeiro passo para preparar o terreno na hora de pedir alguma coisa. Neste momento, não é falado em sentimentos.
Roberto não deve começar o diálogo dizendo “preciso de um computador novo”, pois assim os pais já podem entrar na defensiva e não escutar seus argumentos. Desta forma, o que Roberto deveria falar seria algo assim:
— Meu computador está velho, lento e eu não consigo fazer os trabalhos da escola direito. Ele está travando com muita frequência e vez ou outra eu perco o meu trabalho porque ele reinicia sem salvar.
E: Express (Expressar)
Agora é a hora de expressar os sentimentos, usando preferencialmente frases que começam com “eu”. Isso porque, em alguns casos, as pessoas tendem a apontar problemas no outro para mostrar como se sentem, e isso faz com que o outro entre na defensiva, dificultando todo o processo.
No caso de Roberto, ele falaria:
— Eu sinto que essa situação está atrapalhando meu desempenho escolar e eu também não estou podendo utilizar o computador para lazer. Sinto que essa situação está insustentável e preciso fazer algo para melhorar.
A: Assertive (Ser assertivo)
Este é o momento em que o pedido é feito, ou o “não” é dito caso alguém esteja pedindo algo de você (que você não pode dar). É necessário ser assertivo, ou seja, ser direto ao ponto. Ainda que pareça óbvio para você aquilo que você está querendo dizer, para os outros pode não estar tão claro.
No caso do Roberto, seus pais podem pensar que apenas mandar o computador velho para o conserto resolveria o problema, mas se o computador é muito velho de fato, compensaria mais comprar uma máquina nova.
Por isso, Roberto deve dizer claramente:
— Eu preciso de um computador novo.
R: Reinforce (Reforçar)
O reforço é o momento em que você explica exatamente o porquê de estar pedindo aquilo, para que a pessoa não tenha dúvidas sobre o que você quer. Além disso, nessa hora você pode (e deve) mostrar que a pessoa também tem algo a ganhar caso ela faça o que você está pedindo. No caso de Roberto, ele poderia dizer o seguinte:
— Estou pedindo um computador novo porque simplesmente consertar o computador velho pode não resolver o problema. Preciso de algo mais atualizado para rodar os programas que uso. Com um computador novo, eu vou poder fazer trabalhos ainda melhores e garantir boas notas na escola. Além disso, poderei usá-lo em momentos de lazer, passando mais tempo em casa ao invés de me envolver em atividades que preocupam vocês.
M: Mindful (Permanecer em mindfulness)
O mindfulness é a habilidade de se manter no presente, focado naquilo que está acontecendo no momento. Não raramente, quando você pede alguma coisa para alguém, a pessoa muda de assunto de maneira defensiva, tentando resistir.
Nem sempre é por mal, mas acontece com bastante frequência, e você não pode deixar se levar pelo que a pessoa fala. É preciso focar no momento presente, caso contrário pode acabar virando uma discussão que não chega a lugar algum.
No caso do Roberto, por exemplo, seus pais poderiam responder que ultimamente ele andava relaxado com suas coisas, estava saindo com muita frequência e demonstrava uma série de comportamentos que não agradavam seus pais.
Ele poderia muito bem responder tentando se defender, mas a discussão não chegaria a lugar nenhum: Roberto não pode mudar o passado e ainda precisa de um computador.
Tendo em mente que o principal tópico da conversa no momento era o novo computador, ele simplesmente responderia:
— Eu entendo o que vocês estão me falando, mas agora eu estou falando sobre meu computador. Eu estou precisando de um computador novo.
Se for preciso, você pode falar seu pedido repetidamente, como se fosse um CD riscado, até que a outra pessoa pare de puxar outras coisas para a conversa e foque novamente na discussão presente.
A: Appear confident (Parecer confiante)
Parecer confiante é de extrema importância porque dá a impressão de que você está decidido e que, mesmo que não consiga agora, uma hora você vai conseguir. Dessa forma, é menos provável que a pessoa rejeite o seu pedido (caso ela realmente tenha os meios necessários para te ajudar).
Note: é importante parecer confiante. Isso não necessariamente quer dizer que você precisa estar confiante. Não espere até estar confiante para pedir aquilo que você precisa.
Para parecer confiante, olhe nos olhos da pessoa, fale de maneira objetiva e firme. Evite olhar para baixo ou para os lados e tente manter uma postura ereta. Tudo isso passa um ar de seriedade, e a pessoa irá pensar melhor no seu pedido.
N: Negotiate (Negociar)
Nem sempre a pessoa pode nos dar aquilo que nós queremos. Às vezes o investimento (financeiro, afetivo etc.) necessário é simplesmente muito alto e a pessoa não tem como nos dar isso agora. Nesse momento, é hora de negociar.
Quando você negocia com a pessoa a quem está fazendo o pedido, você permite que ela expresse seus pensamentos e sentimentos em relação ao assunto, e dialogando é possível chegar a alguma conclusão que seja boa para as duas partes.
No caso de Roberto, por exemplo, seus pais não têm dinheiro para comprar um computador novo esse mês, mas terão no mês que vem. Sendo assim, eles pedem que Roberto passe mais tempo em casa e cuide melhor de suas coisas, e no mês que vem eles iriam juntos comprar o computador.
Momentos em que não precisamos dar nada em troca pelo que pedimos são raros e, mesmo quando isso acontece, estamos dando à pessoa a oportunidade de ela contar conosco quando precisar, para retribuir o favor.
Sendo assim, é importante ter em mente sempre que, quando se quer ganhar alguma coisa, algo tem que ser dado em troca. Às vezes é algo simples, como no caso do Roberto, mas nem sempre será assim.
Vez ou outra, o requisito para que a pessoa nos ajude pode causar algum mal estar, e por este motivo é importante desenvolver outras habilidades ensinadas na DBT, como a habilidade de tolerância ao mal estar.
A terapia comportamental dialética ensina diversas habilidades que podem melhorar a vida de todas as pessoas, mesmo aquelas que não têm nenhum transtorno mental. Para melhorar as suas relações interpessoais, o DEAR MAN ajuda significativamente a resolver conflitos relacionados aos desejos e necessidades de ambas as partes. No entanto, assim como qualquer habilidade, você só vai aprender a fazer praticando, então anote as etapas e pratique sempre que possível!
Caso você esteja passando por um mal momento e pensa que precisa de ajuda, não se esqueça de entrar em contato com um médico ou psicólogo de sua confiança.
Referências
Abreu, P., & Abreu, J. (2016). Terapia comportamental dialética: um protocolo comportamental ou cognitivo?. Revista Brasileira De Terapia Comportamental E Cognitiva, 18(1), 45-58. https://doi.org/10.31505/rbtcc.v18i1.831
Linehan, M. M. (2018). Treinamento de habilidades em DBT: manual de terapia comportamental dialética para o paciente. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed Editora Ltda.