Pessoas com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) sofrem frequentemente com pensamentos intrusivos e desagradáveis, chamados de obsessões. Esses pensamentos geralmente causam muita angústia, sendo comum tentativas de neutralizá-los.
Dentre essas tentativas, estão as compulsões, que são comportamentos ou atos mentais repetitivos e estereotipados que surgem como impulsos difíceis de resistir. A execução desses comportamentos pode não ser prazerosa, mas grande parte dos pacientes com TOC relata sentir um alívio ao executá-los.
Uma outra maneira de tentar se livrar dos pensamentos obsessivos é a supressão do pensamento, que consiste uma tentativa intencional de afastar tais pensamentos. Infelizmente, no entanto, a supressão do pensamento muitas vezes tem um efeito contrário, fazendo com que o pensamento surja ainda com mais frequência. Esse efeito recebe o nome de efeito irônico ou efeito rebote.
É normal que as pessoas queiram se livrar de pensamentos indesejados. Quem nunca tentou esquecer que estava próximo de um evento importante para evitar o estresse, ou tentou não pensar em comidas gostosas e pouco saudáveis durante uma dieta? Estes são exemplos comuns de como a supressão de pensamento pode ser extremamente difícil, mesmo em pessoas mentalmente saudáveis.
Entretanto, quando se trata do transtorno obsessivo-compulsivo, esse efeito rebote parece ser ainda mais complicado, piorando significativamente os pensamentos obsessivos.
O experimento do urso branco
Um dos principais experimentos que mostram como a supressão de pensamentos é difícil é o experimento do urso branco, feito por Wegner e colaboradores e os resultados foram publicados em 1987, no periódico científico Journal of Personality and Social Psychology.
Neste experimento, pessoas sem nenhum diagnóstico de transtorno mental conhecido foram divididas em dois grupos: em um primeiro momento, um dos grupos era instruído a pensar em um urso branco e o outro grupo era instruído a não pensar em um urso branco.
Em seguida, a tarefa se invertia: o primeiro grupo deveria suprimir o pensamento do urso branco, enquanto o outro grupo deveria manter-se pensando no urso branco.
Os experimentos foram feitos individualmente e foi pedido que os participantes falassem em voz alta seus pensamentos durante 5 minutos para um gravador, enquanto os pesquisadores saiam da sala. Além disso, os pesquisadores pediram que, toda vez que os participantes pensassem ou falassem as palavras “urso branco”, eles tocassem o sino que estava na mesa na frente deles.
Quando era pedido que as pessoas pensassem no urso branco, elas expressaram com frequência esse pensamento por meio da fala e do toque no sino. Porém, quando foi pedido que elas não pensassem no urso branco, elas ainda assim continuaram pensando.
O pensamento era menos frequente quando a pessoa tentava fazer a supressão, porém ele não foi completamente eliminado em nenhum momento. Em geral, as pessoas instruídas a não pensar no urso branco demonstraram que estavam pensando no urso branco em média mais de uma vez por minuto durante os 5 minutos de gravação.
Algo interessante observado pelos pesquisadores foi a maneira que o pensamento do urso branco voltava à consciência das pessoas que estavam tentando suprimir o pensamento. Muitas dessas pessoas tentaram pensar em outras coisas para evitar de pensar no urso branco, mas eventualmente, ao final de um pensamento aleatório não relacionado ou após um período de silêncio, repentinamente os participantes voltavam a pensar no urso branco.
Como funciona o efeito rebote?
De acordo com um estudo de 1994 publicado pelo próprio Wegner, presente também no estudo do urso branco, ao tentar suprimir um pensamento, existem dois processos mentais que ocorrem concomitantemente.
O primeiro processo mental é o processo operatório intencional que busca deliberadamente o estado mental desejado. No caso, quando a pessoa não quer pensar sobre um urso branco, esse processo busca outras coisas para pensar que não o urso branco. Já o segundo processo mental é o processo de monitoramento irônico, que busca por falhas no processo operatório intencional.
É como se, ao mesmo tempo que um processo está tentando alcançar o estado mental desejado — livre de ursos brancos —, o outro está buscando possíveis falhas e apontando quando há problemas ou quando há sucesso, como se estivesse dizendo: “ei, olhe, você não está pensando em um urso branco agora!”. Consequentemente, a pessoa volta a pensar no que queria suprimir.
Um grande desafio é que o primeiro processo, o processo operatório intencional, é consciente e demanda bastante esforço mental. Enquanto isso, o processo de monitoramento irônico se dá de forma não consciente e autônoma, sendo difícil evitá-lo.
Felizmente, em condições normais, os dois processos conseguem alcançar um equilíbrio e a pessoa consegue suprimir seus pensamentos relativamente bem, embora não necessariamente por completo. No entanto, quando por algum motivo o processo operatório intencional é atrapalhado, há uma tendência do processo de monitoramento irônico tomar conta e, consequentemente, esse segundo processo pode não apenas procurar falhas, como também criar a própria falha, prejudicando a supressão do pensamento.
Supressão de pensamento e TOC
Uma das possíveis causas subjacentes ao transtorno obsessivo-compulsivo é um prejuízo na função executiva, o que consequentemente atrapalha o processo operatório intencional na hora de suprimir o pensamento.
Além disso, pacientes com TOC são submetidos a chamada “supressão de pensamento crônica”, composta por tentativas frustradas de livrar-se dos pensamentos obsessivos indesejados que só tornam o efeito rebote maior.
Uma série de estudos mostra que a questão da supressão de pensamento tem um funcionamento prejudicado em pessoas que sofrem com transtorno obsessivo-compulsivo.
Um estudo feito por Harsányi e colegas publicado em 2014 utiliza instrumentos diferentes para medir os pensamentos obsessivos e as tentativas de supressão de pensamento com a finalidade de comparar esses dois fenômenos. O resultado mostra que pessoas com altos níveis de pensamentos obsessivos também sofrem com um nível maior de efeito rebote, sendo resultado de uma falha na inibição cognitiva. No entanto, esse resultado só se aplica ao componente obsessivo do TOC, não tendo relação com as compulsões.
Isso revela que possivelmente o efeito rebote tem um papel central na manutenção dos pensamentos obsessivos, como também é observado em um estudo feito por Yorulmaz (2008), que indica que, em comparação a indivíduos saudáveis, pessoas que sofrem com TOC tentam suprimir os pensamentos com mais frequência, falhando em seguida.
De acordo com Magee e Teachman (2007), o efeito rebote é ainda maior em certos tipos de pensamentos, como é o caso dos pensamentos negativistas e que causam angústia e preocupação.
No experimento do urso branco, por exemplo, o pensamento em relação ao urso branco pode ser considerado neutro, pois o estudo foi feito em uma área geográfica na qual ursos brancos não apresentam perigos.
Quando experimentos parecidos são realizados em pessoas com TOC, no entanto, nota-se que a supressão dos pensamentos que geram preocupações é ainda mais difícil do que pensamentos neutros.
Os estudos de Magee e de Yorulmaz mostram que, quando comparado a indivíduos saudáveis, o efeito rebote também é maior em pessoas com transtornos ansiosos, embora o transtorno obsessivo-compulsivo não seja mais considerado um transtorno de ansiedade a partir da 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-5). Isso indica que, mesmo sendo transtornos diferentes, há uma grande associação entre eles no que tange alguns sintomas, como as preocupações exageradas.
Por fim, existe um último fator que piora a supressão de pensamentos em pessoas com TOC: a crença de que elas são inteiramente responsáveis pelo controle de suas próprias mentes. Como visto anteriormente, existem dois mecanismos em funcionamento na tentativa de suprimir pensamentos e um deles, muitas vezes, acaba sabotando essa tentativa.
Contudo, pessoas que sofrem com TOC não aceitam que não têm controle total de seus pensamentos e se frustram ao serem incapazes de suprimir os pensamentos indesejados, o que só piora a situação. Em geral, essas pessoas têm muita dificuldade em aceitar que não podem ter responsabilidade total de seus pensamentos, como demonstra o estudo de Najmi, publicado em 2010.
Consequências da supressão de pensamento
Como visto anteriormente, a supressão de pensamento muitas vezes tem um efeito contrário, o que pode trazer consequências negativas.
Existem inúmeros estudos a respeito dos efeitos de tentar não pensar em alguma coisa e, em geral, eles são bastante negativos. Isso acontece com muita frequência em pessoas que estão tentando se livrar de um vício ou fazer uma dieta.
A tentativa de reprimir os pensamentos relacionados ao hábito de consumir uma droga de abuso ou um alimento fora da dieta, por exemplo, pode acabar aumentando significativamente a vontade de usar a droga ou comer aquele alimento. Consequentemente, a pessoa tende a ter mais recaídas ao usar a supressão de pensamentos como mecanismo para lidar com essas questões.
O mesmo acontece em pacientes com TOC. A tentativa de livrar-se do pensamento muitas vezes o torna mais intenso, trazendo uma necessidade ainda maior de realizar os atos compulsivos. Isso mostra que, talvez, uma terapia focada em mudar essa questão da supressão de pensamento seja mais efetiva do que uma terapia focada apenas em mudar os comportamentos do indivíduo.
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O TOC é um transtorno sério que pode causar muitos prejuízos na vida do indivíduo. Se você sente que tem sintomas de TOC e isso está atrapalhando a sua vida, não hesite em entrar em contato com um psicólogo ou psiquiatra de confiança!
Referências
Harsányi A., Csigó K., Rajkai C., Demeter G., Németh A.,& Racsmány M., (2014). Two types of impairments in OCD: obsessions, as problems of thought suppression; compulsions, as behavioral-executive impairment. Psychiatry Research, 215 (3): 651-8.
Magee J.C., & Teachman B.A., (2007). Why did the white bear return? Obsessive-compulsive symptoms and attributions for unsuccessful thought suppression. Behaviour Research and Therapy, 45 (12): 2884-2898.
Najmi S., Reese H., Wilhelm S., Fama J., Beck C., & Wegner D.M., (2010). Learning the futility of the thought suppression enterprise in normal experience and in obsessive compulsive disorder. Behavioural and Cognitive Psychotherapy, 38 (1): 1-4.
Yorulmaz O., Karanci A.N., Bastug B., Kisa C. & Goka E., (2008). Responsibility, thought-action fusion, and thought suppression in Turkish patients with obsessive-compulsive disorder. Journal of Clinical Psychology, 64 (3): 308-317.
Wegner, D.M., Schneider, D.J., Carter, S.R., III.,& White, T.L. (1987). Paradoxical effects of thought suppression. Journal of Personality and Social Psychology, 53 (1), 5-13.
Wegner, D.M. (1994). Ironic processes of mental control. Psychological Review, (101), 34-52.