Os transtornos de ansiedade têm uma alta prevalência (9,3% da população) no Brasil, considerado o país mais ansioso do mundo pela OMS. As crises de ansiedade são permeadas por pensamentos automáticos irrealistas, geralmente com um desfecho desfavorável, o que causa angústia ao paciente. Felizmente, existe uma terapia que pode ajudar muito nesses casos: a terapia cognitivo-comportamental (TCC).
Essa abordagem da psicologia acredita que as emoções e comportamentos são diretamente influenciadas pela interpretação que o indivíduo faz dos fatos. Isso é muito visível na ansiedade, uma vez que a pessoa que sofre com esse problema tende a interpretar os acontecimentos futuros de forma demasiadamente negativa, pensando frequentemente no pior que pode acontecer.
Para ilustrar, vamos pegar o caso fictício de Joana, uma estudante universitária de 20 anos. Apesar das boas notas, Joana está sempre muito preocupada com os trabalhos e as provas, o que gera uma imensa ansiedade. Frequentemente, Joana pensa “se eu tirar uma nota ruim nessa prova, minha vida acadêmica estará acabada”, quando na realidade ela pode recuperar essa nota mais tarde com outros trabalhos e provas, sem que haja prejuízos significativos para sua vida acadêmica.
Ficou claro como a interpretação que a pessoa faz dos eventos é o que realmente causa angústia? Não é o fato de que há uma prova que causa esse sentimento intenso, mas sim a supervalorização da possibilidade de falhar, levando Joana a pensar em desfechos demasiadamente negativos e, de certa forma, irreais. É a interpretação do evento “prova” que faz Joana ter tanto medo e tanta angústia.
A ansiedade pode ser definida como o medo antecipado de algum perigo futuro. Quando as interpretações acerca dos eventos futuros são tão negativas assim, logicamente a pessoa leva uma vida com níveis elevados de ansiedade, sempre antecipando situações trágicas que, muitas vezes, não acontecem.
A TCC trabalha justamente nas crenças disfuncionais que geram esses pensamentos automáticos causadores de tanta angústia, auxiliando o paciente a pensar de maneira mais realista e diminuir os níveis de ansiedade vivenciados no dia a dia. Ela serve para diversos tipos de transtornos de ansiedade, incluindo transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno de estresse pós-traumático, fobias específicas, entre outros.
Como funciona a TCC?
A terapia cognitiva-comportamental acredita que crenças disfuncionais a respeito de si mesmo, dos outros e do mundo trazem consequências emocionais e comportamentais negativas. Essas crenças se manifestam principalmente por meio de pensamentos automáticos, que são pensamentos que surgem rapidamente após um acontecimento, muitas vezes distorcidos, e que não são questionados.
No caso de Joana, percebe-se que ela tem pensamentos automáticos distorcidos acerca das consequências de falhar numa prova simplesmente de pensar que a prova está se aproximando.
Felizmente, de acordo com a TCC, essas crenças disfuncionais e pensamentos automáticos podem ser identificados e modificados. Desta forma, a própria pessoa pode refutar seus pensamentos automáticos com pensamentos mais realistas. O objetivo da terapia é justamente ensinar o paciente a fazer isso, contribuindo para que ele não precise de um psicólogo sempre.
Distorções cognitivas frequentes na ansiedade
Como dito anteriormente, frequentemente os pensamentos automáticos são distorcidos. Isso ocorre por conta de um fenômeno bem conhecido na TCC chamado distorção cognitiva. Essas distorções fazem com que as interpretações dos acontecimentos sejam errôneas. Elas podem ser positivas ou negativas, mas são sempre irrealistas e costumam trazer consequências para a psique.
Algumas das distorções cognitivas mais frequentes na ansiedade são:
- Catastrofização: Pensar que o pior de uma situação deve acontecer, ignorando outros possíveis desfechos;
- Leitura mental: Acreditar que sabe o que os outros estão pensando, mesmo que não haja evidências. Frequentemente, a pessoa acha que os outros estão pensando negativamente sobre si;
- Generalização: Quando a pessoa pega casos isolados com resultados negativos e generaliza. É possível perceber essa distorção quando a pessoa usa palavras como “sempre”, “nunca”, entre outras.
Para uma lista mais completa de distorções cognitivas, veja nosso texto sobre terapia cognitiva-comportamental.
Terapia cognitivo-comportamental para ansiedade
A TCC é uma terapia de curta duração, geralmente entre 10 e 20 sessões, que costuma ter bons resultados em pacientes com ansiedade. Há uma grande variedade de técnicas que podem ser usadas para lidar com os sintomas da ansiedade, mas a terapia foca em identificar as crenças disfuncionais e modificá-las para que o próprio paciente consiga lidar com seu transtorno sozinho.
Alguns dos passos a serem tomados na terapia com pacientes com ansiedade são:
Psicoeducação
Como um dos objetivos da TCC é que o paciente não precise do psicólogo o tempo todo, a psicoeducação é um dos seus pilares. O terapeuta irá ensinar os conceitos básicos da TCC, como o que são pensamentos automáticos e a possibilidade de mudá-los. A partir da psicoeducação, o paciente começa a entender o que é feito na terapia, além de entender o porquê ela é necessária e como prosseguir quando não estiver mais em terapia.
Identificar pensamentos automáticos
Após a psicoeducação, o terapeuta irá tentar identificar os pensamentos automáticos na fala do paciente. Depois, irá auxiliar o paciente a identificar seus próprios pensamentos automáticos.
Isso é frequentemente feito através de “tarefas de casa”, nas quais o paciente deve anotar os eventos desencadeantes, os pensamentos automáticos e suas reações emocionais, físicas e comportamentais após esses pensamentos.
De início, o paciente pode encontrar dificuldade em reconhecer esses pensamentos. Com a prática, a tarefa vai se tornando mais fácil — tão fácil que, em certo momento, a pessoa não precisa nem anotar para monitorar sua atividade cognitiva.
É importante ressaltar que todas as pessoas possuem pensamentos automáticos disfuncionais, porém nem sempre eles causam tantos prejuízos. Isso porque pessoas que não estão angustiadas conseguem raciocinar melhor e acabam por perceber as distorções no seu pensamento, enquanto uma pessoa passando por problemas emocionais pode ter dificuldade em perceber seus erros de raciocínio.
Identificar crenças centrais e intermediárias
Os pensamentos automáticos não surgem do nada. Eles possuem um fator adjacente, chamado crenças centrais e intermediárias. Essas crenças a respeito de si mesmo, das outras pessoas e do mundo são a fonte das distorções que surgem nesses pensamentos.
As crenças centrais são formadas logo na infância e costumam ser ideias bastante rígidas acerca de si mesmo. Essas são as mais difíceis de serem modificadas, mas ter a consciência de que alguns pensamentos errôneos vêm dessas crenças, e não da situação real, ajuda bastante a evitar as consequências emocionais negativas desses pensamentos.
Já as crenças intermediárias dizem respeito a regras, suposições e atitudes do paciente. É como o paciente acredita que “deve ser”, “deve fazer”, “deve agir”. Essas crenças podem ser bastante prejudiciais e a forma de combatê-las é trazer para a consciência que nem sempre precisamos ser aquilo que acreditamos que devemos ser. Tudo bem às vezes não fazer aquilo que achamos que devemos, pois muitas vezes a auto-cobrança traz mais consequências negativas do que não seguir nossas próprias regras.
Reestruturação cognitiva
A reestruturação cognitiva é a parte mais prática da terapia, que consiste em “desafiar” os pensamentos automáticos e crenças disfuncionais identificadas anteriormente. É o momento de questionar, procurar evidências para confirmar ou refutar certos pensamentos e crenças, avaliar as interpretações dos eventos, bem como buscar comportamentos mais adequados para as situações a partir do reconhecimento das distorções cognitivas.
No caso de fobias, é o momento em que o paciente deve tentar enfrentar o estímulo aversivo (estímulo que causa a ansiedade) tendo em mente os pensamentos automáticos e as distorções cognitivas que surgem e que ampliam seu medo.
Vale lembrar que esse enfrentamento é geralmente feito de maneira gradual e somente quando o paciente se sentir preparado.
Resolução de problemas
A fim de amenizar a preocupação excessiva em pacientes com transtorno de ansiedade generalizada, pode-se trabalhar também as habilidades de resolução de problemas. Isso porque, geralmente, pacientes com TAG têm dificuldade em identificar as possibilidades para resolver os problemas que causam tanta preocupação.
Por isso, em um primeiro momento, o terapeuta busca orientar o paciente em relação ao problema, identificando as distorções cognitivas presentes e ajudando a refutá-las. Em seguida, trabalha-se a habilidade de resolução de problemas, ajudando o paciente a definir o problema, pensar em soluções alternativas, tomar uma decisão acerca dessas soluções, por em prática a solução escolhida e, por fim, avaliar seus efeitos. Caso não tenha funcionado, o terapeuta e cliente, juntos, pensam em novas alternativas para tentar novamente.
Respiração diafragmática
Uma técnica frequentemente ensinada a pacientes com transtornos de ansiedade é a respiração diafragmática, também conhecida como respiração profunda. Isso porque, em meio a uma crise de ansiedade, algumas funções fisiológicas podem ficar aceleradas, incluindo a respiração. Portanto, a técnica da respiração diafragmática ajuda a retomada de controle do próprio corpo.
Esse tipo de respiração recebe esse nome pois utiliza muito o músculo diafragma, que fica entre o tórax e o abdômen. É aquela respiração que “infla” a barriga, não apenas a região do peito. É recomendado fazer essa respiração lentamente, contando até 10 na hora de inspirar e respirar.
Deve-se repetir a respiração diafragmática até que se alcance um estado de maior relaxamento. Vale lembrar que essa respiração também pode trazer relaxamento fora de uma crise de ansiedade, portanto é indicada até mesmo antes da crise iniciar, assim que o paciente perceber que está ficando mais ansioso.
A ansiedade é natural e a sua presença não necessariamente indica que algo está errado. O problema surge justamente quando essa ansiedade é exagerada, causando prejuízos significativos na vida do indivíduo.
Se você sente que está sofrendo com sintomas de ansiedade que estão te prejudicando, lembre-se de entrar em contato com um psicólogo ou psiquiatra de confiança!
Referências
Oliveira, M. I. S. (2011). Intervenção cognitivo-comportamental em transtorno de ansiedade: relato de caso. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 7(1), 30-34. Recuperado em 04 de outubro de 2019, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872011000100006&lng=pt&tlng=pt.