Álcool e sistema nervoso central: efeitos e prejuízos

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Photo by Yutacar

Apesar das diversas restrições e propagandas contra, o consumo do álcool faz parte da vida de muitos de nós. Caso o álcool seja consumido moderadamente, isso não é um problema. No entanto, os abusos acontecem com frequência, e podem trazer problemas graves para o usuário.

Na nossa cultura, atualmente, existe uma espécie de idolatria ao álcool. Podemos ver diversas canções falando sobre bebidas alcoólicas, assim como muitos consideram o consumo dessas bebidas — e a embriaguez — um rito de passagem para a maior idade. Muitas vezes, adolescentes são influenciados até mesmo pela própria família!

Infelizmente, tudo isso pode ter uma consequência grave, pois além de desencadear doenças como cirrose e aumentar a probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares, o álcool também tem efeitos prejudiciais no sistema nervoso central (SNC).

Para compreender melhor, é preciso saber qual o mecanismo de ação do álcool:

Como o álcool age no sistema nervoso central?

Sendo uma droga depressora do SNC, o álcool faz com que o cérebro fique menos “ativo”, prejudicando nossa capacidade de pensar, planejar ações, memorizar e até mesmo de nos mover com precisão! Mas como, exatamente, se dá esse processo de depressão do sistema nervoso?

Pois bem, nosso cérebro é formado por células chamadas neurônios, que são as responsáveis pela transmissão e processamento de informações. São essas transmissões que permitem os nossos pensamentos, sentimentos, ações etc.

Para que essas mensagens continuem sendo repassadas e nossa mente funcione adequadamente, o neurônio receptor precisa estar disposto a receber essas informações. Entretanto, o álcool chega no cérebro fazendo justamente o contrário: ele faz os neurônios ficarem menos receptivos e, consequentemente, menos informações são repassadas, dificultando os pensamentos, a fala, a coordenação motora, entre outras funções.

Engana-se quem pensa que para por aí. O álcool não atrapalha apenas as nossas funções cognitivas (pensamento, capacidade de planejamento etc.), ele também inibe o processo de informações nas partes do cérebro que são responsáveis por funções vitais como o controle de batimentos cardíacos, respiração, sono, entre outros. Isso torna o consumo de álcool excessivo extremamente perigoso, uma vez que a pessoa pode beber tanto que o organismo não suporta e “desliga” — a famosa “perda total”.

Além disso, o álcool age de maneira acentuada no córtex pré-frontal, o principal responsável pelas funções cognitivas. Sendo assim, ele prejudica a capacidade de julgar e tomar decisões, o que explica o comportamento inconsequente de pessoas embriagadas e acaba trazendo perigos além dos efeitos da droga. É o caso da pessoa de bebe e dirige embriagada: o indivíduo até sabe que isso é errado, mas faz mesmo assim porque a parte responsável pela avaliação dos perigos de uma situação está “adormecida”. Desta forma, para a pessoa embriagada, isso não parece ser algo tão perigoso assim.

É claro que os efeitos do álcool dependem da quantidade ingerida. Como toda droga, o tamanho da dose está intrinsecamente relacionada ao efeito. Sendo assim, é possível ter uma noção do teor de álcool no sangue a partir dos seus efeitos.

Efeitos imediatos

Photo by Eaters Collective

Quando o álcool está no organismo, ele produz efeitos imediatos que tendem a passar quando a pessoa para de ingerir bebidas alcoólicas. Esses efeitos dependem da quantidade de álcool no organismo e podem durar horas. Quanto mais uma pessoa bebe, mais tempo demora para o organismo eliminar o álcool e os efeitos passarem.

Esses efeitos dependem do teor alcoólico sanguíneo (TAS), que é uma maneira de medir a quantidade de álcool na corrente sanguínea. O TAS é expresso em porcentagem, e indica quantas partes de álcool há para determinada quantidade de sangue. Por exemplo, um TAS de 0,05% significa que há 50mg de álcool para cada 100mL de sangue.

Os efeitos imediatos podem ser divididos em porcentagens, que variam de acordo com cada organismo:

De 0,33% a 0,12%

Neste momento, a concentração de álcool no sangue já faz efeito. A pessoa fica “alegrinha” (eufórica) e têm um aumento temporário na autoconfiança. Há uma diminuição na ansiedade em situações que deveriam provocar essa reação, além de uma capacidade de atenção diminuída. A capacidade de avaliar perigos e tomar decisões já está prejudicada, podendo levar a pessoa a fazer coisas que ela consideraria imoral se estivesse sóbria.

Externamente, é possível perceber a pele ficando avermelhada e uma coordenação motora fina imprecisa.

De 0,09% a 0,25%

Com essa concentração de álcool no sangue, a pessoa já está seriamente embriagada. A coordenação motora em geral é prejudicada e o indivíduo tem problemas para manter o equilíbrio. Há uma leve sedação, fazendo com que sensações como frio, calor e dor sejam menos intensas. Além disso, a visão começa a ficar borrada ou duplicada e há uma demora considerável nos movimentos.

De 0,25% a 0,40%

Nesse estágio, a pessoa já começa a perder a consciência, podendo ter momentos em que está consciente, porém sem criar novas memórias dos eventos que ocorrem durante esse momento. O indivíduo anda cambaleando e tem dificuldade em manter o equilíbrio. A respiração e os batimentos cardíacos ficam mais lentos. Pode haver náusea, vômito e incontinência urinária.

De 0,35% a 0,80%

É nesse momento que o indivíduo entra em coma e corre risco de vida. A respiração e os batimentos cardíacos ficam em um estado crítico, com um ritmo muito lento. As pupilas não respondem a estímulos como a variação da luz. Caso a pessoa não seja tratada, pode ir a óbito.

Prejuízos a longo prazo

Os efeitos a curto prazo podem parecer divertidos para algumas pessoas, o que torna o consumo de álcool uma atividade atrativa. Contudo, mesmo que a pessoa não beba quantidades o bastante para entrar em coma alcoólico, o consumo de álcool em grandes quantidades e com frequência pode trazer prejuízos graves a longo prazo.

Doenças hepáticas e cardiovasculares estão entre as doenças causadas pelo consumo excessivo de álcool. Por acometer órgãos vitais, essas doenças podem levar ao óbito. Entretanto, existe um outro órgão extremamente importante que pode ser afetado: o cérebro.

O álcool também pode trazer prejuízos ao cérebro, uma vez que seus efeitos depressores do sistema nervoso podem alterar o funcionamento cerebral a longo prazo. Como o cérebro é dotado de plasticidade (capacidade de se modificar de acordo com as circunstâncias), para compensar o efeito do álcool, ele se ajusta quimicamente, passando a liberar mais e mais substâncias excitatórias (estimulantes) para combater o efeito depressor do álcool. Isso é extremamente prejudicial porque pode levar a uma hiperatividade cerebral quando o álcool não está presente no organismo.

Delirium tremens

Beber intensamente durante muitos dias e cessar a bebedeira abruptamente pode resultar em uma condição chamada delirium tremens. Trata-se de uma espécie de episódio psicótico induzido pelo álcool que ocorre quando a pessoa passa alguns dias sem beber após um longo período consumindo bebidas alcoólicas diariamente.

Nessa condição, o indivíduo tem alucinações, além de convulsões violentas que podem trazer dano físico ao cérebro (mal epiléptico) ou ao corpo caso haja por perto superfícies duras, objetos cortantes ou perfurantes. Outros sintomas incluem tremores, insônia, ansiedade, entre outros.

Violência e agressividade

A agressividade é um atributo inato do ser humano. Ela acontece quando nos sentimos ameaçados e precisamos lutar para sobreviver. Nos dias de hoje, não nos sentimos fisicamente ameaçados com frequência, mas o nosso bem estar mental é ameaçado constantemente pelos desafios da vida. Dessa forma, precisamos da agressividade para podermos sair de situações que nos prejudicam. Quando alguém está tentando nos difamar, precisamos de “garra” para nos defender — isso é a agressividade, que nem sempre implica agressão física.

O problema é que, a longo prazo, o álcool pode aumentar a nossa agressividade. Isso porque a droga pode danificar permanentemente o córtex pré-frontal e outras áreas que ajudam a regular as respostas emocionais. Dessa forma, o álcool também pode levar à violência, que é a agressão sem motivos, ou seja, a agressão não parte de uma situação ameaçadora. Por vezes, o agressor fica violento por interpretar erroneamente uma situação como ameaçadora, por conta da confusão causada pelo álcool.

Síndrome de Wernicke-Korsakoff

A síndrome de Wernicke-Korsakoff é, na realidade, a junção de duas condições médicas: a encefalopatia de Wernicke e a síndrome de Korsakoff. Sua causa é a falta de vitamina B1, também conhecida como tiamina.

O principal fator que leva à síndrome é o alcoolismo, uma vez que o álcool prejudica a absorção e o armazenamento de vitamina B1 no organismo. Essa vitamina é extremamente importante para a manutenção de diversas funções cerebrais e, por isso, sua deficiência traz diversas complicações.

Em geral, os primeiro sintomas são um estado de confusão aguda, visão dupla, pálpebra caída, movimentos incontroláveis dos olhos (nistagmo) e perda de coordenação muscular (ataxia), especialmente nas pernas.

Sem o tratamento, a síndrome vai avançando e o paciente passa a ter amnésia anterógrada (incapacidade de criar novas memórias), dificuldade para compreender as informações, dificuldade para formar frases, confabulação (contar estórias exageradas) e até mesmo alucinações.

Infelizmente, estima-se que a síndrome de Wernicke-Korsakoff não é diagnosticada em grande parte dos casos de alcoolismo. Isso porque os sintomas, embora bem evidentes entre pessoas saudáveis, são comuns para pessoas que sofrem com alcoolismo, pois se assemelham aos sintomas do estado de embriaguez no qual essas pessoas costumam ficar. Por isso, a falta de vitamina B1 é raramente suspeitada em pessoas com alcoolismo.

O tratamento da síndrome de Wernicke-Korsakoff no caso de alcoolismo é relativamente fácil, retirando-se o álcool e suplementando a vitamina B1 e outras vitaminas que possam estar em falta. No entanto, alguns efeitos da síndrome são irreversíveis, e o indivíduo pode não conseguir recuperar a saúde de suas funções cerebrais.

Photo by Ben Hershey

Sabendo agora sobre os malefícios que o álcool causa, resta a reflexão:  Por que será que nós aceitamos tanto o álcool na sociedade em comparação a outras drogas?

Se você conhece alguém que costuma beber com frequência, converse sobre isso e ajuda a pessoa a buscar ajuda profissional antes que o hábito cause danos irreversíveis.

Referências

https://www.alcoholrehabguide.org/alcohol/effects/
https://www.healthline.com/health/wernicke-korsakoff-syndrome
Thomson, A. D. (2000) Mechanisms of Vitamin Deficiency in Chronic Alcohol Misusers and the Development of the Wernicke-Korsakoff Syndrome. Alcohol and Alcoholism, 35(1).

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