A psicoterapia é um dos grandes pilares da saúde mental, sendo uma grande aliada no tratamento de transtornos e no enfrentamento de adversidades. Contudo, existem diversos tipos de terapia, que podem ter enfoques bastante distintos a depender do que a pessoa está passando e de onde deseja chegar.
Dentre um dos tipos de terapia mais conhecidos atualmente estão as terapias comportamentais, que revolucionaram a forma que problemas emocionais e comportamentais eram entendidos antigamente.
Neste texto, vamos explorar as três grandes ondas das terapias comportamentais, destacando suas principais características e contribuições para a promoção da saúde mental.
O que são terapias comportamentais?
As terapias comportamentais são um conjunto de abordagens terapêuticas baseadas nos princípios do behaviorismo, que surgiu no início de 1900 e tem como foco a compreensão e a modificação do comportamento.
Nestas terapias, o comportamento é visto como uma resposta aos estímulos do ambiente, e organismos (pessoas e animais) podem aprender respostas específicas a estímulos neutros por um processo chamado condicionamento.
Como exemplo desse processo, podemos pensar numa pessoa que, todos os dias, toma café ouvindo a Nona Sinfonia de Beethoven. Tomar café é um estímulo que gera a resposta de salivação. Trata-se de uma resposta natural ao ato de consumir alimentos e bebidas.
No entanto, com o tempo, a pessoa associa a música a tomar café e passa a salivar toda vez que ouve a música, independente do contexto. Em outras palavras, ela começa a salivar ao ouvir a Nona Sinfonia mesmo que não haja café ou alimentos em seu entorno.
Essa resposta de salivar por conta da música é chamada de resposta condicionada, pois não é um reflexo natural que surge de forma espontânea, mas ocorre por conta da associação criada entre ouvir a Nona Sinfonia e tomar café.
A compreensão do condicionamento e como ele pode ser usado para modificar comportamentos indesejados tornou as terapias comportamentais em abordagens práticas, bastante diferentes das terapias que existiam na época em que o behaviorismo começou a ser estudado.
Quando o behaviorismo surgiu, a psicologia clínica era quase exclusivamente psicanalítica, ou seja, seguia os fundamentos de Sigmund Freud. No entanto, haviam muitas críticas a respeito da psicanálise não ser um método cientificamente validado na época, fazendo com que pesquisadores buscassem uma maneira de conseguir desenvolver uma psicologia a ser aplicada de forma clínica que pudesse ser validada pelos critérios científicos da época.
Hoje em dia, as terapias comportamentais são muito úteis para tratar transtornos mentais e ajudar na modificação de comportamentos indesejados mesmo em pessoas que não possuem algum diagnóstico. Com foco no aumento do repertório comportamental, essas terapias podem ajudar pessoas com o treinamento de novas habilidades para lidar com questões comportamentais e emocionais, auxiliando não apenas na saúde mental mas na qualidade de vida como um todo.
Apesar do surgimento no início do século XX, as terapias comportamentais seguem sendo atualizadas até hoje de acordo com novas descobertas e novas maneiras de entender o comportamento humano. Por isso, hoje em dia, fala-se sobre a existência de três grandes ondas de terapias comportamentais.
As 3 ondas das terapias comportamentais
De acordo com Hayes, pesquisador e fundador de uma das terapias comportamentais, o que constitui uma onda de terapia comportamental é um conjunto de suposições, métodos e objetivos que guiam as práticas dos terapeutas. Neste sentido, houveram 3 grandes ondas de terapias comportamentais. São elas:
Primeira onda: Terapias de modificação do comportamento
Desenvolvida entre os anos de 1920 e 1950, a primeira onda de terapias comportamentais tem como base o behaviorismo clássico, cujo foco é o estudo do comportamento observável e mensurável. Neste sentido, o objetivo terapêutico desta primeira onda estava na modificação de comportamentos-problema, ou seja, comportamentos que causavam mais prejuízo para a pessoa.
Uma das características mais marcantes dessa onda é a desconsideração por eventos privados, que são processos internos que não podem ser observados por outras pessoas, como os pensamentos e as emoções, por exemplo.
A principal metodologia usada na primeira onda de terapias comportamentais é o condicionamento, um processo de aprendizado no qual um estímulo neutro é associado a uma resposta específica.
Para as terapias comportamentais, muitos dos comportamentos-problema são frutos de condicionamentos, e com a terapia é possível modificar essas associações, criando novos condicionamentos que levam a comportamentos mais saudáveis.
Uma técnica que tem bastante destaque dentro da primeira onda é a dessensibilização sistemática, usada para tratar fobias e sintomas ansiosos. Essa técnica consiste em uma exposição gradual ao estímulo fóbico (que provoca medo ou ansiedade) junto com técnicas de relaxamento, ajudando a pessoa a fazer a associação do estímulo fóbico com a sensação de relaxar.
Alguns nomes importantes dessa primeira onda de terapias comportamentais são Skinner e Watson.
Segunda onda: Terapias cognitivas e cognitivas-comportamentais
Na segunda onda de terapias comportamentais, foi reconhecido que pensamentos e emoções desempenham um papel importante no comportamento humano, fazendo assim uma incorporação de elementos cognitivos nas terapias. Em outras palavras, para essa onda, tanto eventos privados quanto comportamentos observáveis são de bastante importância.
Essa visão foi desenvolvida entre os anos 1960 e 1990, e seus principais nomes são Aaron Beck e Albert Ellis. Segundo Beck, o objetivo da terapia cognitivo-comportamental (TCC) é identificar e modificar pensamentos distorcidos e crenças disfuncionais que acabam influenciando os comportamentos de uma pessoa, fazendo com que ela emita comportamentos que podem trazer prejuízos significativos.
Para essa onda de terapias, processos cognitivos como pensamentos automáticos e crenças disfuncionais são resultados de condicionamentos. Por conta disso, seria possível trabalhar para modificar esses pensamentos ou, ao menos, modificar a resposta comportamental que acompanha esses processos cognitivos.
Com este modelo, tornou-se possível trabalhar de forma mais direta com alguns sintomas depressivos e ansiosos, como os pensamentos distorcidos, que são pensamentos que não refletem a realidade e, geralmente, trazem uma carga emocional negativa.
Um dos principais métodos da TCC é ajudar o paciente a ter autoconsciência desses processos cognitivos, observando a maneira que seus pensamentos automáticos e suas crenças disfuncionais afetam seu comportamento e suas emoções. Com o uso de técnicas específicas, a pessoa é convidada a questionar esses pensamentos e crenças, desafiando-os de forma construtiva, desenvolvendo então um repertório comportamental mais saudável.
Terceira onda: Terapias comportamentais contextuais
Com seu início na década de 1990, a terceira onda de terapias comportamentais é conhecida por trazer terapias contextuais, que tem como foco compreender o comportamento humano dentro de seu contexto e ambiente. Aqui, eventos privados como pensamentos tem uma importância menor em comparação à segunda onda, mas ainda não são desconsiderados como eram na primeira onda.
Nas duas primeiras ondas de terapias comportamentais, há um afastamento dos conceitos humanísticos que eram frequentemente trabalhados em outros tipos de terapia (psicanálise, terapias humanistas etc.). Na terceira onda, esses conceitos são retomados pois percebe-se a importância de abordar essas questões humanas profundas, como o que as pessoas querem da vida, seus sonhos e objetivos.
Um dos grandes focos dessa terceira onda de terapias é a flexibilidade psicológica, que se refere à capacidade de adaptação saudável a diferentes situações, pensamentos, emoções e contextos. A partir do desenvolvimento dessa flexibilidade, a pessoa desenvolve maneiras de viver de acordo com seus valores e objetivos pessoais, mesmo diante de adversidades.
Para isso, grande parte das terapias de terceira onda trabalham com conceitos como mindfulness e aceitação.
Dentre as principais terapias comportamentais contextuais estão:
- Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT);
- Terapia Comportamental-Dialética (DBT);
- Psicoterapia Analítica Funcional (FAP);
- Ativação Comportamental (BA);
- Terapia Comportamental Integrativa de Casais (IBCT);
- Terapia baseada em Mindfulness (MBT).
Quando a terapia comportamental pode ser utilizada?
Em geral, as terapias comportamentais podem ser utilizadas sempre que a pessoa deseja modificar algum comportamento que não gosta em si. Esse comportamento pode ser um sintoma de um transtorno mental, por exemplo, mas também pode ser apenas um comportamento comum que a pessoa entende como prejudicial a si mesma e às suas relações.
Grande parte das terapias comportamentais são usadas para tratar transtornos mentais justamente porque elas podem trabalhar diretamente com os sintomas dos transtornos, que costumam ser ou dar origem a comportamentos disfuncionais. No entanto, mesmo pessoas que não possuem um diagnóstico podem se beneficiar das terapias comportamentais.
Dentre os transtornos que podem ser tratados por terapias comportamentais estão:
- Transtornos ansiosos;
- Depressão e transtorno bipolar;
- Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC);
- Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT);
- Transtornos alimentares;
- Transtornos de personalidade;
- Problemas de controle da raiva;
- Dependência química e vícios;
- Problemas do sono;
- Problemas de relacionamento.
As terapias comportamentais também podem ser de grande ajuda para pessoas com algum transtorno do neurodesenvolvimento, como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e o transtorno de espectro autista (TEA). Nesses casos, as terapias comportamentais podem auxiliar na criação de um repertório de comportamentos que ajudam a lidar com as limitações impostas por essas condições.
Por fim, pessoas que estão passando por questões existenciais podem se beneficiar mais das terapias de terceira onda por conta do foco que essas terapias dão a essas questões. Embora as terapias de primeira e segunda onda possam ser muito eficazes no tratamento de sintomas e modificação de comportamentos no momento presente, a falta de ênfase nas questões existenciais podem ser um empecilho para uma pessoa que não sabe o que quer e, portanto, não sabe para onde gostaria de direcionar seu comportamento.
Qual terapia comportamental escolher?
A maior parte das terapias comportamentais possuem um grande número de evidências de eficácia. Embora haja um número menor de evidências no caso das terapias de terceira onda, deve-se lembrar que são terapias novas e que ainda não tiveram tempo o suficiente para acumular o mesmo volume de evidências das ondas anteriores. Mesmo assim, grande parte dos estudos indicam que elas também são eficazes no tratamento de diversas questões.
Então, se a eficácia não é um fator de escolha tão relevante, por que escolher uma terapia e não outra? Tudo vai depender do seu objetivo e da sua disponibilidade para fazer o que a terapia pede que seja feito. Isso porque grande parte das terapias comportamentais incluem técnicas e exercícios que devem ser feitos também fora do horário de sessão. No entanto, o tipo de técnica e exercício pode variar bastante de acordo com a terapia escolhida.
Leia mais: A importância da terapia fora da terapia
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é bastante conhecida por passar “lições de casa”, tarefas que a pessoa precisa completar durante a semana entre sessões de terapia. Essas tarefas geralmente estão relacionadas ao reconhecimento de pensamentos automáticos e monitoramento de flutuações emocionais.
Já a terapia comportamental-dialética (DBT) também possui diversas tarefas, mas o nível de complexidade pode ser maior que as tarefas da TCC, considerando que é uma abordagem usada para tratar pacientes de alto risco. Na DBT, são encorajados também exercícios de mindfulness frequentes, bem como a utilização das habilidades trabalhadas em terapia, que devem ser aplicadas sempre que possível/necessário.
Na terapia de aceitação e compromisso (ACT), não há tanto foco nos processos cognitivos como na TCC. Por conta disso, as tarefas exigidas costumam ser bastante diferentes das tarefas que são feitas em uma terapia cognitivo-comportamental clássica.
Esses são só alguns exemplos de como, apesar de terem uma origem em comum, as terapias podem ser diferentes entre si, e é interessante buscar aquela que melhor se adequa às suas necessidades e a sua disponibilidade. Para isso, é interessante pesquisar um pouco sobre cada uma dessas terapias.
Vale ressaltar também que, não raramente, terapeutas usam técnicas de mais de uma dessas terapias simultaneamente. Portanto, mesmo que seu terapeuta trabalhe com a TCC, vez ou outra ele pode aplicar alguma técnica da ACT ou até mesmo da DBT, de acordo com a demanda trazida e os padrões de resposta do paciente.
Além disso, é importante destacar que é necessário criar uma boa relação entre terapeuta e paciente. Caso contrário, o processo terapêutico inteiro pode ser atrapalhado por questões da relação, prejudicando até mesmo a eficácia das técnicas utilizadas.
Por isso, mesmo que você tenha mais interesse em uma terapia específica, mas o seu terapeuta aplica outra terapia e vocês tem uma boa relação, vale pensar se realmente é necessário mudar de terapeuta para um que trabalhe com a terapia desejada ou se não seria interessante conversar com o terapeuta atual a respeito do uso de outras técnicas.
Caso o terapeuta atual não tenha conhecimento de outras técnicas, ele pode encaminhar para outro terapeuta de confiança que utilize essas técnicas, facilitando a criação de um vínculo saudável entre terapeuta e paciente.
Embora as terapias comportamentais tenham surgido há quase um século, até hoje existem pesquisas e estudos que buscam aprimorá-las e desenvolver novas terapias que podem ajudar milhares de pessoas.
Se você está lidando com algum problema emocional, comportamental ou simplesmente sente que precisa de ajuda, não hesite em contatar um profissional da saúde mental!
Referências
Hayes, S. C. (2004). Acceptance and commitment therapy, relational frame theory, and the third wave of behavioral and cognitive therapies. Behavior Therapy, 35(4), 639–665. doi:10.1016/s0005-7894(04)80013-3
https://www.online-psychology-degrees.org/study/cognitive-behavioral-therapy-different-waves/
https://playingcbt.com/between-emotional-regulation-and-emotional-repression/
https://www.3rdwavetherapy.com/about/what-is-third-wave-cognitive-behavioral-therapy/