Estimulação Magnética Transcraniana (EMTr) pode tratar depressão por neuroplasticidade

A neuroplasticidade é a capacidade do cérebro se adaptar às situações. Entenda como a EMTr pode induzir a neuroplasticidade aqui!
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin

A depressão é um transtorno de humor que atinge mais de 300 milhões de pessoas no mundo inteiro. Trata-se de um transtorno que pode ser tão grave a ponto de ser debilitante, causando prejuízos até mesmo à sociedade e à economia, além de prejudicar severamente a qualidade de vida daqueles que convivem com o transtorno.

Atualmente, a depressão costuma ser tratada com medicamentos antidepressivos e psicoterapia. No entanto, estimativas apontam que cerca de 35% das pessoas que sofrem de depressão não respondem adequadamente a esses tratamentos de primeira linha, sendo necessário buscar alternativas para tratar essas pessoas, que são diagnosticadas com “depressão resistente ao tratamento” ou depressão refratária.

Estudos estimam que a Estimulação Magnética Transcraniana de Repetição (EMTr), uma técnica de neuromodulação, pode ajudar a tratar a depressão resistente por meio do mecanismo de neuroplasticidade.

O que é neuroplasticidade?

O termo neuroplasticidade pode ser descrito como a capacidade do cérebro em modificar sua própria estrutura e função de acordo com as experiências do indivíduo. Em outras palavras, o cérebro consegue moldar-se às situações às quais é exposto.

Esta capacidade é maior durante o período de neurodesenvolvimento, ou seja, durante infância, adolescência e início da vida adulta. No entanto, é uma capacidade que se preserva mesmo após esse desenvolvimento, sendo reduzida conforme a idade avança, mas ainda existente até o final da vida do indivíduo.

É por conta dessa neuroplasticidade que é possível recuperar funções após uma lesão neurológica, por exemplo. Quando uma parte do cérebro acaba sofrendo danos, a pessoa pode acabar perdendo funções, como é o caso de pessoas que deixam de andar depois de um derrame. Contudo, em muitos casos é possível a recuperação do movimento porque outras áreas do cérebro acabam se adaptando para realizar a função que foi perdida com a lesão.

O mesmo ocorre com nossos padrões de pensamento, que muitas vezes são determinados por circuitos específicos dentro do cérebro. Esses circuitos são formados por sinapses (comunicação entre um neurônio e outro) que podem ser reforçadas ou enfraquecidas.

Quando se trabalha o questionamento dos pensamentos automáticos na terapia cognitivo-comportamental (TCC), por exemplo, é possível enfraquecer essas sinapses que produzem o pensamento automático. Dessa forma, com o tempo, é possível modificar esses circuitos que levam a pensamentos disfuncionais, permitindo uma melhora dos sintomas de diversos transtornos mentais.

Antigamente, acreditava-se que o tratamento farmacológico da depressão produzia os efeitos desejados porque aumentava a disponibilidade de certos neurotransmissores no cérebro, sendo uma relação direta entre a disponibilidade de neurotransmissores e o alívio dos sintomas.

No entanto, com o tempo foi percebido que apenas aumentar os neurotransmissores rapidamente não produz os resultados desejados de imediato, indicando que provavelmente os medicamentos têm efeito porque a disponibilidade de neurotransmissores ajuda a reforçar ou enfraquecer circuitos específicos. Isso pode levar algum tempo e depende totalmente da capacidade de neuroplasticidade do cérebro.

Em outras palavras, hoje em dia é estimado que os efeitos dos antidepressivos são obtidos porque eles induzem mudanças neuroplásticas que melhoram a conexão de sinapses e restauram as propriedades funcionais de circuitos específicos relacionados aos sintomas depressivos.

Como a EMTr age no cérebro?

A estimulação magnética transcraniana é uma técnica de neuromodulação que consiste na aplicação de pulsos eletromagnéticos no córtex cerebral com o objetivo de auxiliar na regulação do fluxo de neurotransmissores.

A estimulação é feita em áreas específicas do cérebro a fim de alcançar os circuitos que estão relacionados aos sintomas apresentados pelo paciente. A técnica é indicada para uma série de transtornos, como a depressão unipolar, a depressão bipolar e até mesmo no tratamento de alucinações auditivas em pacientes com esquizofrenia.

Geralmente, a EMTr é usada como um tratamento alternativo nos casos em que os tratamentos convencionais não provocam os efeitos terapêuticos desejados. Não raramente, a técnica de neuromodulação é usada em conjunto da psicoterapia e até mesmo das medicações, pois pode acabar auxiliando os medicamentos a fazerem efeito.

Você pode conferir mais sobre a EMTr neste artigo: Estimulação Magnética Transcraniana (EMT): O que é, funciona?

O que dizem as pesquisas?

Estima-se que, de uma perspectiva neurobiológica, o principal mecanismo que explica a resistência ao tratamento é uma capacidade de neuroplasticidade reduzida.

Ao analisar o volume do hipocampo de da amígdala de pacientes com transtorno depressivo maior, foi identificado que estes apresentavam um menor volume em relação a pacientes que não tinham esse diagnóstico. Em pacientes com episódios recorrentes, o volume era ainda menor do que em pacientes que estavam em seu primeiro episódio depressivo.

Um estudo publicado no periódico científico European Archives of Psychiatry and Clinical Neuroscience em 2021 tinha como objetivo investigar os efeitos longitudinais da EMTr no volume do hipocampo e da amígdala, bem como na espessura do córtex paralímbico.

O córtex paralímbico é uma área cerebral que está diretamente ligada ao sistema límbico, o sistema responsável pelo processamento das emoções. A amígdala é uma estrutura com formato de amêndoa presente neste sistema. Em especial, a amígdala é responsável pelo processamento de emoções tidas como negativas, como o medo e a raiva. Por fim, o hipocampo é uma estrutura cerebral que atua no processamento das memórias, mas que possui grande relação com o sistema límbico e a amígdala.

Neste estudo, participaram 31 pessoas diagnosticadas com depressão refratária (resistente) que foram submetidas a 20 sessões de estimulação magnética transcraniana ou a uma simulação das sessões para fins comparativos de efeito placebo. Os participantes foram submetidos a exames de neuroimagem antes e depois do tratamento a fim de comparar se houve mudanças nos volumes da amígdala e do hipocampo, bem como aumento da espessura do córtex paralímbico.

Além disso, os pesquisadores queriam relacionar essas alterações à resposta terapêutica, aplicando escalas que medem os sintomas depressivos dos pacientes antes e depois do tratamento.

Os resultados da pesquisa mostraram que não houve mudança significativa no volume do hipocampo, nem da amígdala. No entanto, foram detectadas alterações na espessura do córtex paralímbico.

Infelizmente, os resultados da pesquisa não mostraram efeitos clínicos relevantes, ou seja, as pessoas que submeteram ao tratamento não tiveram uma melhora significativa, mas estima-se que utilizar um protocolo de tratamento mais intensivo pode causar mudanças neuroplásticas ainda mais relevantes, o que em si pode trazer melhores respostas ao tratamento.

Vale lembrar que, embora este estudo específico não tenha tido uma resposta clínica satisfatória, a EMTr é uma técnica eficaz regulamentada que é atualmente usada para tratar casos de depressão refratária, bem como uma série de outros transtornos e sintomas. Portanto, o estudo em si não coloca dúvidas acerca da eficácia da EMTr em si, apenas se as mudanças específicas no córtex paralímbico são refletidas em um efeito terapêutico de fato.

Um outro estudo publicado no Jornal Canadense de Psiquiatria em 2022 mostra que respostas neuroplásticas agudas ao tratamento com EMTr servem para prever resposta clínica em pacientes que sofrem de depressão resistente ao tratamento. O estudo foi feito aplicando a estimulação magnética transcraniana em pacientes com o transtorno e depois avaliando o cérebro dos participantes por meio de ressonância magnética por imagem funcional (fMRI). Com esta técnica de neuroimagem, é possível observar mais claramente os circuitos afetados pelo tratamento.

Conclusão

Embora ainda sejam necessários mais estudos, ao que tudo indica é provável que a EMTr ajude no tratamento da depressão por conta do seu efeito neuroplástico, auxiliando no reforço e enfraquecimento de sinapses relacionadas aos sintomas depressivos.

Se você possui diagnóstico de depressão e sente que os tratamentos não estão fazendo o efeito esperado, é interessante discutir as possibilidades com um profissional da saúde mental de confiança. Já se você nunca fez nenhum tipo de tratamento ou não possui diagnóstico, não hesite em procurar ajuda médica!

Os tratamentos de primeira linha costumam ser bastante efetivos e, caso não sejam, ainda há outras alternativas que podem ajudar a recuperar a qualidade de vida e impedir que o transtorno prejudique seu funcionamento.

Referências

https://link.springer.com/article/10.1007/s00406-020-01135-w
https://ajp.psychiatryonline.org/doi/full/10.1176/appi.ajp.20220432 

Confira posts relacionados