Falsas memórias: o que são e como se formam?

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Você já ouviu falar em memórias falsas? Se já, deve saber que elas podem oferecer diversos problemas, especialmente em investigações criminais. Contudo, elas não surgem apenas em eventos graves, mas também estão presentes no cotidiano. Alguma vez você já foi abrir a porta do carro e ficou procurando as chaves em todos os bolsos possíveis porque tinha certeza absoluta que tinha pego as chaves na bancada de casa? Apesar de parecer muito vívida, trata-se de uma memória falsa.

Memórias falsas são recordações distorcidas ou “fabricadas” de um evento. Algumas dessas memórias podem ser puramente imaginativas (como achar que pegou as chaves do carro quando, na realidade, nem encostou nelas), enquanto outras podem ter um fundo de verdade, mas as informações estão distorcidas — neste caso, pegar as chaves e, ao invés de coloca-las no bolso, colocar do outro lado da bancada por desatenção, mas na hora de recordar, lembra de tê-las colocado no bolso.

O que causa falsas memórias?

São diversos os fatores que influenciam na formação de memórias falsas. Alguns dos mais comuns no dia a dia são:

Imprecisões na percepção

Apesar de precisarmos dela para praticamente tudo que envolve a sobrevivência, a percepção humana não é perfeita. Mesmo pessoas que não sofrem com alguma deficiência ou prejuízo na percepção podem interpretar estímulos erroneamente, o que muitas vezes leva à formação de falsas memórias.

Quando uma pessoa presencia algum evento, a percepção pode não captar todos os detalhes. A recordação do evento pode ficar defasada por conta dessa falta de detalhes, e o próprio cérebro tenta preencher essas lacunas, mesmo que não seja a intenção da pessoa. Devido a isso, é possível a formação de elementos falsos na recordação.

Informações que interferem na gravação dos eventos

Se, enquanto um evento acontece, uma nova informação chama a sua atenção, então é possível que você “grave” esse evento de maneira diferente do que aconteceu. Usando novamente o caso das chaves do carro, se, ao pegar as chaves do carro, você recebe uma mensagem de texto no celular e larga as chaves na bancada novamente para pegar o celular e olhar a mensagem, você pode gravar essa evento como se tivesse pego a chave e depois checado o celular.

Novas informações ambíguas ou erradas

A presença de novas informações relacionadas ao evento, mas que não estavam disponíveis no momento em que o evento aconteceu ou não foram “gravadas”, podem alterar uma memória já existente.

Se, após presenciar um acidente de carro no qual a pessoa não prestou atenção na cor dos carros, alguém diz que um dos carros tinha uma cor vibrante, essa pessoa pode lembrar do carro como sendo vermelho, quando na verdade era um carro amarelo, por conta da ambiguidade da nova informação.

Por outro lado, se não existe uma recordação bem estabelecida acerca de alguns detalhes do evento, ao receber uma informação errada, é bem provável que a pessoa aceite e lembre dessa informação como se fizesse parte da recordação original.

Se, por exemplo, no caso do acidente de carro, alguém diz que o carro era vermelho (ao invés de falar apenas “cor vibrante”), a pessoa tende a lembrar do carro como sendo vermelho.

Erros de atribuição

Memórias falsas também podem ser formadas quando um evento é erroneamente atribuído a outro evento. Isso é bastante comum em situações parecidas, como por exemplo quando alguém conta sobre o último Natal, mas relata um evento que aconteceu no Natal do ano retrasado, convicto de que foi no Natal do último ano. Por conta do contexto parecido, é muito fácil acabar lembrando um evento como se estivesse dentro de outro evento, quando na realidade são eventos separados.

Emoções

Às vezes, emoções e memórias andam de mãos dadas. De fato, momentos que geram emoções muito intensas geralmente formam memórias mais vívidas e que tendem a durar mais tempo. Porém, isso não necessariamente quer dizer que o conteúdo dessas memórias é preciso.

Pesquisas mostram que é mais fácil lembrar de eventos que causaram emoções intensas como um todo, porém os detalhes desses eventos são um tanto quanto suspeitos. A medida em que as pessoas vão contando essas memórias, mais se acredita nas imprecisões dessas recordações.

Um exemplo disso é quando um casal está contando sua história: um fica interrompendo o outro, revelando detalhes que estavam errados ou distorcidos na narrativa do outro.

Esse fenômeno é ainda mais comum em memórias com uma carga emocional negativa. A recordação parece ficar enviesada pela emoção, e detalhes podem ser relembrados de maneira distorcida pela emoção.

Teoria do traço difuso

Uma outra explicação para a formação de falsas memórias é a teoria do traço difuso, na qual a memória é guardada em dois tipos de representações: uma mais específica e exata, referente a detalhes específicos, e outra mais difusa, referente ao sentido geral das coisas.

Isso significa que partes de um evento são armazenados de uma maneira mais generalizada, recordando-se apenas de elementos gerais da situação, enquanto outras partes são mais específicas, trazendo informações mais precisas.

As informações mais generalizadas tendem a carregar uma interpretação dos eventos, que podem ou não estar corretas. Desta forma, quando o armazenamento de uma informação se dá de maneira mais generalizada, existe uma chance maior de formar uma memória falsa.

Memórias falsas versus confusão

Se as memórias falsas podem ter elementos verdadeiros acerca do ocorrido, qual a diferença entre uma memória falsa e uma confusão de informações armazenadas? Pode parecer difícil distinguir essas duas, mas na realidade é bem fácil: na memória falsa, há plena convicção de que o evento ocorreu da forma em que ele é recordado. Não há dúvidas, como no caso de uma simples confusão de informações.

A pessoa recorda claramente o que aconteceu, mas o conteúdo da recordação é falso. Enquanto isso, na confusão, a pessoa pode ficar na dúvida se o que ela acha que lembra é realidade ou não.

Desta forma, as memórias falsas podem se diferenciar de outros erros de memória pelo simples fato de que a pessoa tem certeza do que está recordando e valida essa memória, enquanto em outros erros existe a dúvida ou a não recordação de detalhes.

Os perigos das memórias falsas

Embora algumas memórias falsas podem ser inofensivas, como quando achamos que pegamos as chaves do carro, outras podem ser extremamente prejudiciais.

Memórias falsas são especialmente complicadas quando se trata da área jurídica, sendo uma das principais causas pelas quais pessoas inocentes são condenadas. De fato, quando se trata de testemunhas, o mais indicado é coletar as informações o mais rápido possível após o evento, pois a medida em que o tempo passa, maiores as chances de alguns detalhes da recordação serem distorcidos ou confabulados.

Além disso, outro problema relacionado às memórias falsas é a possibilidade de “redescobrir” memórias de eventos traumáticos que nunca aconteceram. Existem relatos, por exemplo, de pessoas que passaram por sessões de terapia e “redescobriram” memórias de abuso durante a infância, quando na realidade tratavam-se de memórias falsas que foram formadas através de sugestão do terapeuta. A pessoa passa, portanto, por uma situação traumática que nunca realmente aconteceu, o que pode trazer consequências para sua saúde mental.

Vale lembrar que todas as pessoas estão sujeitas a sofrer com memórias falsas: até mesmo pessoas com boa memória costumam reproduzir este fenômeno.

A formação de memórias falsas é um fenômeno de grande interesse por parte dos pesquisadores, especialmente porque suas implicações podem ser bastante perigosas dependendo do contexto. Neste artigo, vimos o que são memórias falsas e como elas podem surgir, além de possíveis consequências. No futuro, falaremos sobre estudos realizados acerca das memórias falsas e o que se sabe sobre este fenômeno.

Se você acha que está passando por problemas, lembre-se de entrar em contato com um psiquiatra ou psicólogo de sua confiança!

Referências

https://www.verywellmind.com/what-is-a-false-memory-2795193

https://www.verywellmind.com/how-do-false-memories-form-2795349

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17614862

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