Qual o papel do sono na saúde mental?

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Photo by Kinga Cichewicz

O ser humano é o único animal que se priva do sono sem necessidade. São noites que o estudante universitário vira fazendo os trabalhos da faculdade, as madrugadas que os jovens passam em festas e baladas, o empregado que passa a noite acordado terminando trabalhos que devem ser entregues até às 9 da manhã do próximo dia… Por mais que algumas dessas coisas sejam importantes, nenhuma delas é um motivo naturalmente válido para a privação do sono.

Na natureza, os animais só se mantém acordados por mais tempo do que deveriam por questões de sobrevivência: para poder caçar quando a fome bate, para poder fugir quando está sendo ameaçado etc. O ser humano, entretanto, não tem nenhum desses motivos para continuar se privando do sono. É claro que deixar que entregar trabalhos da faculdade ou os documentos que o chefe pediu são atos prejudiciais para a carreira, mas não são coisas que indicam a morte certeira.

Contudo, a verdadeira ameaça está em não dormir. Todo esse tempo sem o devido descanso tem consequências para a saúde física e mental. Ainda que, muitas vezes, a insônia seja considerada um sintoma da depressão e outros transtornos mentais, ela pode ser um dos fatores para o seu desenvolvimento em primeiro lugar.

Nos últimos tempos, pesquisadores encontraram uma ligação causal entre a privação de sono (insônia) e sintomas como paranóia, delírios, alucinações, entre outros. Há evidências de que se trata de uma via de mão dupla: transtornos provocam insônia, e a insônia auxilia no desenvolvimento de transtornos. Tratando a insônia de pacientes com esses problemas, os pesquisadores perceberam uma melhora nos sintomas.

Quando se trata da cognição, a privação do sono também é uma inimiga. Processos cognitivos, como memória e aprendizagem, são prejudicados, uma vez que é durante o sono que ocorre a consolidação da memória de longo prazo e as novas conexões neuronais são fortalecidas. É por isso que pessoas que dormem menos têm uma dificuldade maior em aprender novas coisas, e o hábito de virar a noite estudando ou fazendo trabalhos escolares ou acadêmicos não ajuda em nada. Já deu pra ver que são vários os motivos para cuidar do sono, não é?

Falta de sono prejudica a comunicação cerebral

Um estudo, feito por Matthew Walker e outros colaboradores na Harvard Medical School, pode explicar um pouco melhor essa ligação: foram analisados 26 estudantes saudáveis, com faixa etária entre 24 e 31 anos. Alguns destes estudantes passaram a noite inteira dormindo, enquanto outros passam a noite em claro.

Após essa noite, os pesquisadores utilizaram a ressonância magnética funcional para analisar o comportamento cerebral dessas pessoas a medida em que olhavam para uma série de fotografias perturbadoras. As imagens ficavam mais perturbadoras gradativamente. Na primeira fotografia, havia apenas uma cesta vazia sobre a mesa. Já nas últimas, as imagens traziam uma tarântula no ombro de uma pessoa, ou cenas traumáticas que causavam bastante estresse emocional.

Os resultados foram surpreendentes: o cérebro daqueles que não dormiram se comunicava de maneira diferente do que o das pessoas que dormiram bem. Isso foi observado a partir de uma pequena estrutura cerebral chamada amígdala, que é responsável pela decodificação das emoções.

Nos indivíduos que tiveram um bom descanso, essa área do cérebro foi acionada e enviou estímulos para uma outra parte do cérebro chamada córtex pré-frontal, que é responsável pelo raciocínio e ajudava a contextualizar essas emoções. É o córtex pré-frontal que diz “ei, essa aranha está em uma foto, não é um perigo real” ao vermos uma fotografia com animais peçonhentos.

Já no caso das pessoas que não dormiram, o caminho dos estímulos foi completamente diferente. Em um primeiro momento, a própria amígdala foi 60% mais ativa, indicando uma maior sensibilidade às emoções, especialmente as negativas. Quando os estímulos saiam da amígdala, ao invés de ir para o córtex pré-frontal, eles iam para uma outra área chamada locus coeruleus, que secreta um neurotransmissor chamado norepinefrina. Essa substância é um precursor da adrenalina, um neuro hormônio que ativa a resposta de luta ou fuga, ou seja, aquela sensação de que “eu preciso enfrentar isso ou sair correndo daqui”, que costuma acompanhar o medo.

Ou seja, nas pessoas com o sono em dia, quando um estímulo é erroneamente interpretado como perigoso, o cérebro diz “relaxa, não tem nada de errado”. Já nas pessoas que não dormem bem, esses estímulos são interpretados como perigosos mas o cérebro não consegue identificar que não é bem assim, e a resposta emocional acaba sendo prejudicial.

É importante lembrar que estresse prolongado é um fator de risco para o desenvolvimento de transtornos depressivos e ansiosos. Seguindo essa lógica, essa problemática da falta de controle emocional pode ser um fator de risco, pois gera uma exposição desnecessária ao estresse emocional.

Como melhorar o sono?

Photo by BRUNO CERVERA

Sabendo que o sono é tão importante para a saúde mental, fica claro que nós precisamos melhorar nosso sono de maneira urgente! Contudo, nos dias de hoje, existe uma série de problemas que podem interferir nos nossos hábitos e padrões de sono. Por isso, é importante entender que, para melhorar a qualidade e quantidade do sono, é preciso se empenhar bastante. Algumas dicas para melhorar o sono são:

Praticar exercícios durante o dia

Dentre os diversos benefícios da prática de exercícios físicos está o cansaço e a exaustão física. Quanto mais seu corpo estiver cansado no final do dia, mais facilmente você conseguirá pegar no sono quando for a hora de deitar.

Evite substâncias estimulantes ao cair da noite

A partir das 18 horas, é bom suspender qualquer substância estimulante que é usada no dia a dia. Isso inclui o café, chás, cigarro, entre outros. Apesar de o álcool ser uma substância depressora do sistema nervoso central, ele também deve ser evitado antes de dormir.

Desvincule a cama de outras atividades

Inicialmente, a cama deveria ser usada apenas para duas coisas: dormir e ter relações sexuais. Nos dias de hoje, uma série de outras atividades é feita na cama: assistir televisão, navegar nas redes sociais, ler livros, entre outros. Contudo, esses hábitos podem estar prejudicando a sua capacidade de pegar no sono facilmente.

Se você está tendo insônia, talvez seja hora de deixar a cama só para a hora de dormir. Qualquer outra atividade deve ser feita em outro ambiente. Evite assistir televisão na cama, procure uma cadeira confortável para ler, prefira gastar o tempo no smartphone em outro lugar.

Com o tempo, o cérebro deixará de associar a cama a essas outras atividades, e irá entender que “cama” é sinônimo “dormir”, o que fará com que o corpo fique com sono mais facilmente na cama.

Evite ficar acordado na cama

Essa dica é importante para quem tem insônia. Nada de ficar se revirando nos lençóis: se você não conseguiu pegar no sono em 20 minutos, levante e faça alguma atividade relaxante. Só depois volte para a cama.

Isso deve ser feito porque, caso você fique na cama se revirando sem conseguir dormir, o cérebro terá mais problemas para associar a cama com o sono — o que só aumenta o problema.

Diga adeus à luz azul antes de deitar

A luz azul é aquela emitida por telas de computadores, televisões, smartphones e outros aparelhos móveis. Ela é prejudicial para o sono porque dificulta a produção de melatonina, o principal hormônio que induz o sono.

Por isso, pelo menos meia hora antes de dormir, afaste-se de tais aparelhos para que a melatonina seja liberada em quantidades adequadas para o sono.

Hoje em dia, alguns smartphones possuem uma tecnologia que deixa a tela inteira amarelada durante o período noturno, para diminuir a exposição à luz azul. Contudo, apenas isso não é o suficiente para melhorar a qualidade do sono, uma vez que todos os aplicativos e redes sociais mantém o cérebro bem alerta, dificultando o relaxamento na hora de dormir.

Photo by Kinga Cichewicz

O sono é extremamente importante para a nossa sobrevivência, especialmente no que tange nossa saúde mental. Seguindo as dicas acima, provavelmente você terá noites de sono melhores. Se mesmo assim você está com problemas para dormir, procure um psiquiatra para que ele possa lhe ajudar.

Referências

https://www.medscape.com/viewarticle/893260
https://www.scientificamerican.com/article/can-a-lack-of-sleep-cause/

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