Efeito Jovem Werther: como a ficção e as notícias aumentam a taxa de suicídios

Relatos de suicídio na mídia podem ter influência nas taxas de suicídio, mas é possível prevenir o fenômeno. Saiba mais!
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Não é raro que saiam notícias de pessoas influentes e celebridades que cometeram suicídio e, em seguida, haja um aumento nas taxas de suicídio, em especial entre os fãs desses ídolos. Ao que tudo indica, existe uma possibilidade do suicídio ser, de certa forma, “contagioso”, o que ficou conhecido como “Efeito Werther”.

Neste texto, iremos falar um pouco sobre esse fenômeno, como ele surge e se existe alguma forma de evitá-lo.

O que é o Efeito Werther?

O fenômeno Efeito Werther se refere a um aumento nas taxas de suicídio quando ocorre o anúncio de um suicídio de uma pessoa famosa, como celebridades. Também pode ocorrer quando uma obra fictícia em que ocorre um suicídio se torna bastante popular.

O efeito recebe esse nome por conta de uma onda de suicídios relacionados ao romance epistolar Os Sofrimentos do Jovem Werther, lançado em 1774, escrito por Johann Wolfgang von Goethe. O romance é composto por uma série de cartas em que o personagem principal, Werther, relata a seu amigo sobre sua paixão por uma mulher que está prometida a outro.

Sem conseguir superar a moça, o personagem principal então resolve tirar a própria vida. Apreciadores da obra começaram a se vestir de forma idêntica ao personagem e muitos dos que cometeram suicídio o fizeram da mesma forma que o personagem principal.

O nome Efeito Werther foi proposto por David Phillips, pesquisador americano da área da Sociologia, em 1974.

O fenômeno ocorre mais frequentemente em relação a casos midiáticos. No entanto, sabe-se que casos de “suicídio contagioso” também pode ocorrer em famílias, no qual familiares de uma pessoa que cometeu suicídio apresentam mais chances de tentar suicídio também, configurando um grupo de risco que necessita atenção especial durante o processo de luto.

Como o Efeito Werther influencia as pessoas?

A mera representação e menção do suicídio na mídia não é o que influencia as pessoas a cometerem o ato. Na realidade, o aumento das taxas de suicídio está mais relacionado à maneira em que o suicídio é tratado.

Quando ele é representado como um ato heróico ou glorioso de alguma forma, ou como resolução de algum conflito, como no caso do livro Os Sofrimentos do Jovem Werther, passa-se uma mensagem distorcida sobre o suicídio.

Além disso, a maneira que o público em geral reage ao suicídio também pode influenciar. Não é raro que, após o suicídio de uma pessoa famosa, esta seja glorificada de alguma forma. Fãs falam sobre como era uma pessoa admirável, ressaltando suas qualidades, o que pode levar pessoas vulneráveis a desejar esse mesmo status e almejar alcançá-lo pelas mesmas vias.

Descrições detalhadas do ato também são conhecidas por influenciar, havendo uma série de casos em que o suicídio é uma “cópia”, ou seja, a pessoa usa dos mesmos métodos que seu ídolo.

É mais comum que o Efeito Werther ocorra também quando existe uma identificação com a personagem ou figura pública que cometeu suicídio. Quanto mais conhecida for a pessoa, maiores as chances de mais pessoas se identificarem e buscarem o mesmo fim.

Considerando que as taxas aumentam a depender da maneira que o suicídio é retratado na mídia, em 1987, na Áustria, foram instituídas diretrizes para anúncio de casos de suicídio, que culminaram em uma diminuição de 80% dos casos nos 6 meses seguintes. Atualmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) também conta com recomendações para o anúncio de suicídios. No entanto, não existe garantia de que essas recomendações sejam sempre seguidas.

Casos do fenômeno continuam acontecendo

Apesar do nome Efeito Werther ser baseado em um livro que foi lançado há mais de 100 anos, o fenômeno continua atual. Dentre alguns casos mais recentes podemos citar:

  • Série “13 Reasons Why”: O próprio enredo da série é criticado por, de certa forma, glorificar o suicídio. No entanto, quando lançada, a série originalmente contava com uma longa cena explícita do suicídio da personagem Hannah Baker, sendo que descrições detalhadas do método do suicídio é um dos fatores conhecidos pelo Efeito Werther, já que há a tendência de pessoas imitarem exatamente o mesmo procedimento. Após críticas, o episódio foi editado e a cena infame foi removida;
  • Ator e comediante Robin Williams: Após seu suicídio em 2014, foi observado um aumento nas taxas de suicídio;
  • Ídolos do pop coreano: Entre 2017 e 2019, foram anunciados os suicídios dos ídolos Jonghyun, Sulli e Hara Gu. Embora muitos desses casos tenham sido associados à indústria pop coreana, que costuma ser bastante opressiva e contribuir para que os ídolos apresentem problemas emocionais, houve também um aumento da taxa de suicídio entre seus fãs, em especial os jovens entre 10 e 29 anos.

Notícias e ficção não são os únicos culpados

Vale ressaltar que, embora haja uma relação entre a mídia e o aumento das taxas de suicídio, não se pode culpar apenas a mídia por esse aumento.

É fato que o suicídio é um fenômeno multifatorial, no qual diversas questões influenciam na decisão de uma pessoa dar um fim à própria vida. Dentre estes fatores estão:

  • Presença de transtornos mentais, diagnosticados ou não, como depressão, transtorno afetivo bipolar, transtornos psicóticos, entre outros;
  • Gênero (suicídio é mais comum entre homens, embora mulheres tenham um maior número de tentativas);
  • Histórico de abuso, violência, negligência e até mesmo pobreza;
  • Falta de acesso a serviços de saúde mental;
  • Problemas nas relações interpessoais;
  • Abuso de substâncias;
  • Tentativas de suicídio anteriores.

Como a mídia pode combater o Efeito Werther?

Embora os anúncios de suicídio tenham esse efeito, deixar de falar sobre o suicídio na mídia não é necessariamente a saída. Como dito anteriormente, os aumentos estão associados geralmente a maneira em que o suicídio é retratado, sendo que é possível retratá-lo de outras maneiras que podem, na realidade, diminuir as estatísticas.

É o chamado Efeito Papageno, que associa uma diminução das tentativas de suicídio à histórias de pessoas que venceram a ideação suicida representadas na mídia. Ao comentar sobre casos de sucesso em que pessoas em vulnerabilidade acabaram por buscar tratamento e decidiram não tirar a própria vida, a mídia acaba contribuindo para que mais pessoas busquem ajuda e possam superar a ideação suicida.

O Efeito Papageno foi confirmado em 2010 por um grupo de pesquisa da Áustria, liderado pelo pesquisador em prevenção de suicídio Thomas Niederkrotenthaler. De acordo com o estudo, prevenir o suicídio pela mídia é uma possibilidade, desde que haja foco em casos de sucesso ao lidar com crises suicidas, bem como a divulgação de serviços e recursos que podem ser usados para prevenção.

Quais são as diretrizes da OMS ao reportar suicídios?

As recomendações da Organização Mundial da Saúde ao relatar suicídios na mídia são as seguintes:

  • Não colocar notícias sobre suicídio como matéria em destaque;
  • Não repetir matérias anunciando suicídio;
  • Não descrever o método utilizado;
  • Não dar detalhes sobre a localização do suicídio;
  • Não usar linguagem que sensacionalize, romantize ou normalize o suicídio, bem como linguagem que apresente o suicídio como uma solução para problemas;
  • Não simplificar demais a razão do suicídio, nem reduzir o suicídio a um fator único;
  • Não usar manchetes sensacionalistas;
  • Não usar fotografias, vídeos, gravações de áudio e links de mídias sociais;
  • Não relatar detalhes da carta de suicídio, se houver;
  • Apresentar informações precisas sobre onde buscar ajuda para pensamentos e crises suicidas;
  • Educar o público com fatos sobre o suicídio e informações precisas sobre prevenção;
  • Relatar histórias sobre como lidar com os estressores da vida e pensamentos suicidas, bem como a importância de buscar ajuda;
  • Tomar cuidado redobrado ao relatar casos de celebridades;
  • Tomar cuidado ao entrevistar familiares e amigos enlutados;
  • Reconhecer que profissionais da mídia estão em risco de serem afetados ao fazer a cobertura de matérias sobre suicídio.

Onde buscar ajuda?

Se você está tendo pensamentos suicidas ou conhece alguém que está passando por isso, alguns recursos para buscar ajuda são os seguintes:

Centro de Valorização da Vida (CVV) (188)

Em caso de necessidade de atenção imediata, acione o Centro de Valorização da Vida através do número 188. O serviço é gratuito e funciona 24 horas por dia. Outra possibilidade é contatar por e-mail e pelo chat no site.

Canal Pode Falar

Iniciativa da Unicef destinada a adolescentes entre 13 e 24 anos. O contato é feito pelo WhatsApp e o horário de funcionamento é de segunda a sexta-feira, das 8h até 22h.

Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)

O Sistema Único de Saúde (SUS) dispõe dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), unidades que oferecem serviços em saúde mental para a comunidade. O CAPS possui diversas modalidades, podendo ser focados em crianças e adolescentes, álcool e drogas ou transtornos mentais. Para saber mais, clique aqui.

Mapa da Saúde Mental

Site que contém diversos recursos para lidar com pensamentos suicidas, incluindo mapas de unidades de saúde e indicações de atendimentos psicológicos online e presencial gratuitos.

Bombeiros (193)

Ao se deparar em uma situação na qual é necessário um resgate de uma tentativa de suicídio, acione os Bombeiros ligando para 193. Os Bombeiros também podem ser acionados em casos de incêndios, acidentes e outros tipos de resgates.

Embora seja necessário falar sobre o suicídio para a sua prevenção, a meneira que ele é retratado na mídia faz toda a diferença. Se você percebe que está lidando com pensamentos suicidas, não hesite em contatar um profissional da saúde mental!

Referências

https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/noticia/2019/09/efeito-werther-como-um-suicidio-pode-afetar-outras-pessoas.html
https://www.ufsm.br/midias/arco/efeito-werther
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18082110/
https://www.openaccessgovernment.org/the-werther-effect/42915/
https://www.who.int/publications/i/item/9789240076846

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