O transtorno de personalidade borderline (TPB) ou limítrofe é caracterizado por instabilidade nas relações interpessoais, desregulação emocional, impulsividade e instabilidade na autoimagem.
A desregulação emocional neste transtorno é tão intensa que acaba influenciando o comportamento da pessoa de uma forma prejudicial, frequentemente afastando-a de seus objetivos.
Uma das emoções sentidas com mais intensidade por pacientes com este transtorno é a raiva, emoção caracterizada por irritação e hostilidade. No quesito comportamental, a raiva geralmente se manifesta na forma de agressividade, seja esta verbal ou física.
Contudo, nem sempre sentir raiva significa que uma pessoa precisa ficar agressiva: é possível regular a emoção sem que ela cause problemas comportamentais.
No entanto, para pessoas com o TPB, essa regulação é dificultada e, junto com as tendências impulsivas do transtorno, é comum que essas pessoas acabem não conseguindo controlar seus comportamentos agressivos, trazendo prejuízos nas suas relações interpessoais e na sua autoimagem.
O transtorno de personalidade borderline
O transtorno de personalidade borderline é um transtorno mental caracterizado por um padrão de instabilidade nas relações interpessoais, no humor e na autoimagem. Também está presente uma grande impulsividade, que afeta significativamente o comportamento das pessoas com esse transtorno.
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), o transtorno de personalidade borderline é diagnosticado a partir de 9 critérios, dos quais 5 precisam estar presentes para fechar o diagnóstico. São eles:
- Esforços desesperados para evitar abandono real ou imaginado;
- Um padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização;
- Perturbação da identidade: instabilidade acentuada e persistente da autoimagem ou da percepção de si mesmo;
- Impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente autodestrutivas (p. ex., gastos, sexo, abuso de substância, direção irresponsável, compulsão alimentar);
- Recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamento auto-mutilante;
- Instabilidade afetiva devida a uma acentuada reatividade de humor (p. ex., disforia episódica, irritabilidade ou ansiedade intensa com duração geralmente de poucas horas e apenas raramente de mais de alguns dias);
- Sentimentos crônicos de vazio;
- Raiva intensa e inapropriada ou dificuldade em controlá-la (p. ex., mostras frequentes de irritação, raiva constante, brigas físicas recorrentes);
- Ideação paranoide transitória associada a estresse ou sintomas dissociativos intensos.
Pessoas com esse transtorno frequentemente apresentam uma certa dificuldade em ficarem sozinhas e tendem a interpretar separações normais do dia-a-dia (como a necessidade de um parente viajar) como um abandono, que reflete em sua autoestima.
A percepção de um abandono, seja ele real (uma pessoa realmente saindo de sua vida, por exemplo) ou imaginado (um momento em que a pessoa precisa se distanciar por algumas horas ou dias, mas tem a pretensão de voltar) pode desencadear uma série de emoções intensas nas pessoas com esse transtorno, fazendo com que ela se engaje em esforços desesperados para impedir que se sinta abandonada.
Esses esforços incluem pedir diretamente que a pessoa não vá, manipulações para atrapalhar os planos da pessoa ou até mesmo ameaça de automutilação e suicídio.
Saiba mais: Transtorno de personalidade borderline
Fatores que podem gerar raiva no TPB
A raiva é uma emoção completamente normal e qualquer pessoa pode senti-la no dia-a-dia, por qualquer motivo que a faça se sentir irritada e hostil. Normalmente, as pessoas sentem raiva quando, de alguma forma, sentem que sua integridade física ou psicológica está ameaçada.
No caso do TPB, a raiva pode surgir como uma resposta a sensação de abandono, rejeições percebidas ou até mesmo como uma resposta à frustração diante de situações nas quais as coisas não ocorrem como a pessoa esperava.
É comum que isso ocorra porque a pessoa com transtorno de personalidade borderline frequentemente tem uma autoimagem bastante prejudicada, fazendo com que necessite da validação de outras pessoas para se sentir bem consigo mesma. Neste sentido, um abandono ou uma rejeição seria uma ameaça ao seu bem-estar psicológico.
Vale ressaltar que existem diversos modelos de desenvolvimento biopsicossocial que tentam explicar o desenvolvimento do transtorno de personalidade borderline, mas nenhum dos modelos é tido como perfeitamente preciso.
Para alguns desses modelos, os gatilhos para que a pessoa apresente explosões de raiva está no fato de que o TPB está relacionado a uma grande desregulação emocional, tornando a pessoa mais suscetível a ter momentos de emoções descontroladas.
Já outros modelos entendem que a raiva pode surgir por conta de fatores cognitivos, como padrões de pensamento e vieses cognitivos que levam a pessoa a perceber o abandono e a rejeição com mais frequência e intensidade do que realmente acontecem, fazendo com que ela tenha uma resposta emocional intensa com maior frequência.
O que se sabe, com certeza, é que o transtorno de personalidade borderline está relacionado a experiências traumáticas e adversas durante a infância, quando a criança ainda está aprendendo a lidar com suas próprias emoções. Além disso, fatores genéticos como temperamento podem contribuir para tendências impulsivas e o surgimento de emoções negativas com maior frequência.
Além disso, pessoas com transtorno borderline tendem a ruminar sobre sua raiva com mais frequência do que indivíduos sem esse transtorno. Neste sentido, é comum que essas pessoas fiquem presas num loop de pensar sobre os motivos de sua raiva, gerando ainda mais raiva.
Leia mais: Pensamentos ruminativos: o que são e como lidar?
Raiva como estado versus raiva como traço
Embora a raiva seja uma emoção, pessoas com uma maior tendência a sentir raiva podem ter a raiva como um traço da própria personalidade.
Essas pessoas tendem a se sentir irritadas e hostis com as menores provocações (possuem “pavio curto”) e podem apresentar explosões de raiva de curta duração com frequência.
Apesar de parecer ruim, a raiva como um traço de personalidade não é necessariamente um problema. Pessoas com esse traço costumam sentir raiva em momentos apropriados e a agressividade gerada por essa raiva pode ser orientada à solução do problema, não trazendo necessariamente maiores prejuízos.
Estudos mostram que, no transtorno de personalidade borderline, é relativamente comum que as pessoas desenvolvam a raiva como um traço de personalidade. De fato, a raiva como traço de personalidade é mais frequente em pessoas com TPB do que na população em geral.
Contudo, isso não significa que todas as pessoas com esse transtorno possuem esse traço. O transtorno é bastante complexo e formado por diversos critérios, sendo que a raiva apresentada por essas pessoas pode, muitas vezes, ser resultado apenas de uma desregulação emocional, e não necessariamente um traço de personalidade.
Raiva externalizada e raiva internalizada
O transtorno de personalidade borderline não possui subtipos oficiais de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). No entanto, pesquisas mostram que nem sempre a raiva e a agressividade das pessoas com esse transtorno se manifestam da mesma maneira.
É neste sentido que alguns profissionais da saúde mental se referem aos tipos explosivo e implosivo do transtorno de personalidade borderline.
No tipo explosivo, a raiva tende a ser externalizada e, no tipo implosivo, a raiva tende a ser voltada para si mesmo.
A raiva externalizada costuma estar associada a perturbações da autoimagem e identidade, impulsividade e raiva intensa. Já a raiva internalizada costuma aparecer associada a evitação do abandono, comportamento de automutilação, sintomas depressivos e sentimentos de vazio.
Raiva como resposta a problemas de apego
Research has also shown that there is a strong association between having an insecure attachment style and borderline personality disorder (Critchfield, Levy, Clarking, et. al., 2007). And when this is of the anxious insecure attachment style, there is a greater likelihood of reactive aggression. Additionally, self-harm was found to be associated with relational avoidance while anger and irritability were associated with anxiety.
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Tratamento da raiva no transtorno de personalidade borderline
O tratamento do transtorno de personalidade borderline é feito por meio de psicoterapia e de medicamentos estabilizadores de humor, ansiolíticos, antidepressivos ou antipsicóticos. A combinação de medicamentos prescrita é escolhida pelo psiquiatra a partir dos sintomas relatados, bem como a resposta que o paciente demonstra ao longo do tratamento.
Embora a medicação ajude a lidar melhor com sintomas de humor e desregulação emocional, é na psicoterapia que o paciente irá aprender a lidar melhor com suas emoções e comportamentos. Nesse sentido, a psicoterapia se torna um dos principais pilares no tratamento da raiva nesse transtorno.
A psicoterapia para TPB pode ser feita a partir de diversas abordagens, como a psicanálise, a terapia cognitivo-comportamental (TCC), entre outras. No entanto, estudos mostram que as abordagens que trazem resultados mais palpáveis são a terapia comportamental-dialética (DBT) e a terapia dos esquemas.
Essas duas terapias podem ajudar o paciente tanto na regulação emocional quanto nas questões cognitivas que levam o paciente a ter uma tendência maior a explosões de raiva.
O transtorno de personalidade borderline é conhecido por deixar as pessoas com as emoções à flor da pele, em especial a raiva. No entanto, apesar dessa grande associação entre a raiva e o TPB, é possível aprender a lidar com essa emoção de forma a não causar maiores prejuízos em nossas vidas.
Se você sente que tem problemas para regular suas emoções ou suspeita que pode ter algum transtorno, não hesite em procurar um profissional da saúde mental!
Referências
https://www.psychologytoday.com/us/blog/overcoming-destructive-anger/202404/the-link-between-borderline-personality-disorder-and-anger
https://www.dummies.com/article/body-mind-spirit/emotional-health-psychology/emotional-health/anger-management/state-versus-trait-anger-141945/