Procrastinação não é preguiça, é um problema emocional

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A procrastinação está presente na vida da maior parte de nós. Algumas pessoas conseguem ser mais organizadas e produtivas, outras nem tanto. Mesmo assim, poucos são aqueles que nunca deixam uma tarefa para depois. Por conta disso, a procrastinação sempre foi associada à preguiça, falta de vontade ou dificuldade em gerenciar o tempo. No entanto, parece não ser bem assim.

O conceito de procrastinação pode ser definido como “adiamento voluntário de uma tarefa, mesmo que haja consequências negativas”. Geralmente, a procrastinação está ligado a contextos de trabalho e estudos, motivo pelo qual pode ser facilmente confundida com “preguiça”. No entanto, não é que a pessoa não quer trabalhar por preguiça, mas sim por ter dificuldade em regular as emoções associadas ao trabalho que, não raramente, são negativas e desagradáveis.

Um estudo publicado na revista científica Social and Personality Psychology Compass defende que a procrastinação é causada por uma falha na auto-regulação e na regulação emocional. Isso significa que, quando há tarefas que nos causam mau humor, nós tendemos a tentar “consertar” o humor ao invés de realizar a tarefa.

Sendo assim, não se trata de uma questão de preguiça ou de problemas na gestão de tempo, mas sim uma tentativa de evitar o mal estar causado por essas tarefas. No entanto, pensar que o tempo é irrelevante quando se trata de procrastinação seria um engano. Afinal de contas, prazos existem e costumam ser seguidos, mesmo por procrastinadores. Ainda assim, se trata de um fenômeno mais relacionado ao mecanismo de regulação emocional do que ao tempo, especialmente quando se fala do futuro breve.

O que é regulação emocional?

Para podermos entender a procrastinação, precisamos primeiro conceituar a regulação emocional. Trata-se da habilidade de gerenciar e lidar com as emoções, especialmente a expressão destas emoções. Não podemos controlar o que sentimos, mas certamente podemos escolher o que vamos fazer com essas emoções.

Ao sentir tristeza, é comum a vontade de chorar. Ao sentir raiva, a vontade de gritar. Entretanto, sabemos que essas opções nem sempre são socialmente aceitáveis, então o que costumamos fazer é tentar reprimir essas reações naturais e expressar o que sentimos de outras formas.

Algumas dessas formas são saudáveis, enquanto outras não são. Por exemplo, sentir-se triste e desabafar com amigos é uma forma saudável de lidar com a emoção. Já ingerir álcool para tentar “afogar as mágoas”, além de não ser efetivo, pode causar muitos prejuízos a longo e curto prazo.

Regulação emocional e procrastinação

Sabendo que regulação emocional é a capacidade de lidar com as nossas emoções, é possível entender como isso influencia na procrastinação.

Algumas tarefas são chatas de fazer, não é mesmo? Atualmente, com a possibilidade de assistir sua série favorita em poucos cliques, é comum pensarmos “lavar a louça é muito chato, acho que vou assistir um episódio de alguma série e depois, quando estiver me sentindo melhor, faço isso”.

Assistir ao episódio certamente trará emoções agradáveis, e a pessoa pode se sentir renovada e pronta para fazer o que precisa ser feito. No entanto, só de pensar na tarefa aversiva (que causa mal estar) novamente, seu humor muda e se torna desagradável. Para combater isso, a pessoa se envolve em atividades prazerosas novamente, tornando a procrastinação um círculo vicioso.

É claro que a tarefa aversiva varia de pessoa para pessoa. Para algumas pessoas, lavar a louça é terapêutico. Para outras, é um pesadelo. No entanto, até mesmo tarefas que gostamos de fazer podem se tornar aversivas em determinados contextos.

É o caso do estudante de graduação, por exemplo, que ama seu curso e as disciplinas que faz. No entanto, os trabalhos e estudos raramente podem ser feitos exatamente da maneira que queremos: frequentemente, o estudante se depara com uma série de limitações na hora de fazer seus trabalhos, tornando a atividade não prazerosa e, portanto, aversiva. Assim, mesmo se tratando de algo que o estudante gosta, ele procrastina.

Em suma, pode-se dizer que o que torna uma tarefa aversiva é algo muito subjetivo e pessoal. No entanto, a procrastinação costuma estar relacionada à produtividade pois são tarefas que precisam ser feitas, independente da vontade do indivíduo.

Procrastinação e saúde mental

A regulação emocional é um processo importante para auxiliar na manutenção da saúde mental. Diversos transtornos acabam prejudicando esse processo, como é o caso do transtorno depressivo e transtornos de ansiedade. Sendo assim, a procrastinação pode ser vista, muitas vezes, como um sintoma de alguns transtornos.

Para uma pessoa com depressão, qualquer tipo de tarefa pode se tornar uma fonte de desprazer, até mesmo tarefas básicas como cuidar de si mesmo. Sintomas como baixa autoestima e autoconfiança podem tornar qualquer coisa desagradável. Além disso, é comum que pessoas com depressão sabotem suas próprias tarefas (fenômeno conhecido como autossabotagem), gerando resultados negativos que contribuem tanto para o mal estar de realizar a tarefa quanto para a manutenção de sentimentos de baixa autoestima.

Para pessoas com ansiedade, é comum pensar demais sobre as tarefas, o que também aumenta a sensação de mal estar, fazendo com que a procrastinação se torne algo frequente. Por outro lado, procrastinar apenas aumenta os níveis de ansiedade, visto que a pessoa pode continuar pensando demasiadamente na tarefa mesmo que esteja fazendo outra coisa.

Sabendo que a procrastinação pode estar relacionada a um transtorno mental, é de extrema importância procurar ajuda assim que perceber que há outros sintomas além do adiamento de tarefas. Tratar o transtorno poderá auxiliar não apenas com esses sintomas, mas também na produtividade.

Desafios da não-procrastinação

Quantas coisas você deseja fazer mas nunca nem mesmo tentou? Procrastina todos os dias, mas segue pensando naquela coisa… Se é uma tarefa prazerosa, então por que procrastinamos?

Acontece que, de certa forma, a procrastinação também acaba sendo usada como uma espécie de proteção ao bem-estar mental. Isso porque, ao iniciar uma tarefa, nos deparamos com a possibilidade de falhar, o que causa sentimentos desagradáveis.

Uma pessoa que deseja muito se tornar um pintor, por exemplo, pode até dar os primeiros passos em direção a sua nova carreira (ou hobby): compra um cavalete, as tintas, os pincéis e, na hora de pintar, simplesmente não o faz. Por que?

Mesmo que de forma não consciente, a ideia de produzir uma pintura pode causar sentimentos desagradáveis, como o medo de falhar, fazer uma pintura que não seja apreciada por outros ou até mesmo frustrar-se com o resultado por não ter sido aquilo que tinha pensado.

Desta forma, o aspirante a pintor começa a procrastinar, de modo a evitar esses sentimentos provenientes da possibilidade de falhar em fazer aquilo que quer.

Sendo assim, pode-se dizer que, para pessoas que têm dificuldades na regulação emocional, não procrastinar é desafiador. E, como todo desafio, pode trazer crescimento, então é algo a se pensar, não é mesmo?

Procrastinação versus motivação

É comum acreditar que a motivação é o oposto da procrastinação. Pode até ser, mas muitas vezes as duas são necessárias ao mesmo tempo para que algo seja feito. Já ouviu falar que, quando você realmente precisa fazer algo, a situação se torna tão insuportável que você acaba fazendo independente de qualquer coisa? Pois bem, é o que acontece quando a procrastinação se encontra com a motivação.

O fato de que a procrastinação tem consequências a longo prazo acaba tornando-a uma fonte de estresse. Disto, surge a motivação para não procrastinar. No entanto, uma ideia não cancela a outra: o cérebro é capaz de manter duas ideias conflitantes ao mesmo tempo, ao custo de causar uma imensa ansiedade. É quando você está tão estressado que precisa relaxar, mas ao relaxar se estressa ainda mais por não estar fazendo o que deveria fazer.

É nesse momento que surge aquela incrível motivação inabalável para realizar a tarefa aversiva. Evitá-la já não é mais uma opção, pois a angústia é tão grande que até fazer a tarefa aversiva é menos estressante. Procrastinadores de plantão conhecem muito bem essa sensação.

Procrastinar é um “hábito” do qual muitas pessoas tentam se livrar, mas simplesmente não sabem como, até porque muitas vezes não sabem nem de onde vem. Sabendo que a procrastinação é mais uma questão de regulação emocional do que de preguiça, que tal começar a trabalhar nessa questão?

Lembre-se: se você sente que está precisando de ajuda, contate um psicólogo ou psiquiatra de confiança!

Referências

https://cognitiontoday.com/2019/05/you-procrastinate-because-of-emotions-not-laziness-regulate-them-to-stop-procrastinating/

Sirois, F., & Pychyl, T. (2013). Procrastination and the Priority of Short-Term Mood Regulation: Consequences for Future Self. Social and Personality Psychology Compass, 7(2), 115-127. doi:10.1111/spc3.12011

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