Síndrome da Fadiga Crônica (Encefalomielite miálgica) e saúde mental

Caracterizada por cansaço extremo durante meses, a síndrome da fadiga crônica também possui relação com a saúde mental
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Sentir-se cansado ao ter uma rotina ativa e estressante é normal, mas, para algumas pessoas, a exaustão vem sem causa aparente e não passa mesmo quando a pessoa repousa durante vários dias. Embora várias condições possam causar sintomas de exaustão, uma condição pouco conhecida, mas bastante relevante, é a síndrome da fadiga crônica.

O que é síndrome da fadiga crônica?

A síndrome da fadiga crônica (SFC) é uma condição caracterizada pela sensação de cansaço extremo com duração superior a 6 meses e que não melhora mesmo com repouso. Esse cansaço é incapacitante, não possui uma causa aparente e piora com a realização de atividades físicas e tensão psicológica. A condição também é conhecida por encefalomielite miálgica (ME), doença da disfunção imune, síndrome de intolerância à atividade física e doença sistêmica de intolerância ao esforço (DSIE).

Antigamente, a síndrome era vista como um problema exclusivamente psicológico, mas, nos anos 80, foi reconhecida como uma condição física real e incluída na 10ª edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), pois se trata de uma condição que provoca alterações em diversos sistemas, como o sistema nervoso, imunológico e endócrino.

O diagnóstico pode ser bastante desafiador, tendo em vista que grande parte das pessoas desconhece a síndrome e os pacientes encontram pouco acolhimento até mesmo por parte dos profissionais da saúde, que tentam explicar os sintomas por questões puramente psicológicas ou até mesmo os encaram como uma resposta ao estilo de vida moderno.

Além disso, a condição não é detectável por exames laboratoriais ou de imagem, sendo então um diagnóstico por exclusão, quando outras possibilidades (como hipotireoidismo, anemia, entre outras) são descartadas.

A condição é mais comum em mulheres e costuma ser diagnosticada entre os 40 e 50 anos de idade. Não raramente, os sintomas surgem durante ou depois de uma doença que tem sintomas semelhantes a uma infecção viral, como febre, gânglios inchados (ínguas), dores de cabeça, entre outros.

Causas

Não foi identificada, até hoje, uma causa específica para o surgimento da SFC. Estima-se que a síndrome pode ter uma causa multifatorial, ou seja, são diversas condições que, juntas, acabam desencadeando o problema. Em outras palavras, fatores ambientais, condições clínicas pré-existentes e predisposição genética podem trabalhar juntos para que uma pessoa apresente a fadiga crônica.

Dentre os possíveis fatores documentados, estão:

  • Infecções virais prévias como citomegalovírus, mononucleose, entre outros;
  • Desequilíbrio na produção de hormônios;
  • Anormalidades imunológicas;
  • Hereditariedade.

Vale ressaltar que, embora muitas pessoas tenham sido diagnosticadas com a SFC após infecção pelo Covid-19, não há evidências o suficiente de que a infecção pode desencadear a síndrome e estima-se que muitas dessas pessoas tenham sido diagnosticadas erroneamente.

Principais sintomas

A fadiga crônica possui apenas um sintoma principal: a própria fadiga, que chega a ser limitante e tem duração superior a 6 meses. No entanto, essa fadiga frequentemente vem acompanhada de diversos outros sintomas, como:

  • Dificuldades de concentração;
  • Problemas de memória;
  • Sintomas imunológicos como dores de garganta, inchaços dolorosos (íngua) no pescoço e axilas, febre, entre outros;
  • Dores musculares e nas articulações;
  • Dores de cabeça;
  • Tontura ou vertigem;
  • Alterações no sono (insônia, apneia, sono não reparador, síndrome das pernas inquietas etc.);
  • Alterações de peso;
  • Parestesia (formigamento/dormência);
  • Dores na região do peito e abdômen;
  • Tosse crônica;
  • Problemas digestivos.

Evolução do quadro

Quando uma pessoa é diagnosticada com a SFC, o quadro pode evoluir de diversas formas.

Algumas pessoas podem ter uma piora dos sintomas, enquanto outras passam por um pico de intensidade seguido de uma diminuição dos sintomas até uma estabilização. Há pessoas que pioram muito sem uma causa aparente. Para a maior parte das pessoas, a SFC é uma doença crônica que durará pelo resto da vida.

Há casos, também, em que a pessoa entra em remissão completa, ou seja, se recupera completamente da síndrome. Contudo, trata-se de um fenômeno raro que ocorre em cerca de apenas 10% dos casos.

Severidade do quadro

A severidade do quadro pode variar bastante e, em algumas pessoas, a intensidade dos sintomas pode aumentar ou diminuir em épocas diferentes de suas vidas. A severidade da SFC pode ser:

  • Leve: A pessoa tem dificuldades de fazer atividades que antes fazia com facilidade, podendo até realizar essas atividades, mas depois sente um cansaço extremamente intenso durante vários dias. Nesses casos, a pessoa se torna, em média, 50% menos ativa do que era antes do diagnóstico;
  • Moderada: A pessoa tem uma perda de autonomia grande o suficiente para ter dificuldade de sair de casa;
  • Severa: Na fadiga crônica severa, a pessoa fica acamada a maior parte do tempo, pois apresenta dificuldades até para andar e manter-se ativa dentro de casa. No entanto, nesse caso, a pessoa ainda tem alguma autonomia, pois consegue sair da cama para se alimentar, higienizar-se, fazer necessidades, entre outros;
  • Muito severa: Enquanto na severa a pessoa fica acamada a maior parte do tempo, na muito severa a pessoa fica acamada o tempo todo, precisando de auxílio para se alimentar, hidratar-se, fazer as necessidades, entre outros. Há uma perda total da autonomia.

Relação entre a fadiga crônica e a saúde mental

Embora a síndrome da fadiga crônica seja reconhecida como uma doença separada, há muita discussão a respeito da sua relação com a saúde mental. A fadiga, por si só, costuma ser um sintoma de uma série de transtornos mentais, como a depressão, os transtornos ansiosos, a síndrome de burnout, entre outros.

Pesquisas mostram que pessoas diagnosticadas com algum transtorno mental entre os 15 e 36 anos de idade têm mais chances de serem diagnosticadas com SFC posteriormente. Além disso, a severidade dos sintomas também tem correlação com o surgimento da síndrome, ou seja, quanto mais severos os sintomas, maiores as chances da pessoa apresentar SFC mais tarde.

No entanto, quando se trata da síndrome da fadiga crônica, tratamentos usados para combater a fadiga em transtornos mentais se mostram ineficazes, evidenciando que a fadiga não surge como dano colateral de algum transtorno.

Apesar disso, é comum que pessoas com SFC sejam diagnosticadas com algum transtorno mental, considerando os impactos que a síndrome tem no emocional e psicológico do indivíduo.

Diversas condições crônicas aumentam as chances de uma pessoa desenvolver depressão e, no caso da SFC, as limitações trazidas pela síndrome podem ter um impacto significativo nos planos, objetivos e na maneira que a pessoa vê a vida.

Outro fator importante na relação entre a SFC e a saúde mental é o fato de que a síndrome afeta significativamente a qualidade do sono, fator de risco bastante conhecido para o desenvolvimento de transtornos mentais. Algumas pessoas apresentam dificuldades para pegar no sono ou manter-se dormindo, enquanto outras apresentam um sono não reparador, bem como apneia (falta de ar durante o sono), entre outros.

Não raramente, a pessoa com SFC também apresenta um aumento da irritabilidade. Estar constantemente cansado ou até mesmo exausto e sem conseguir nenhum tipo de reparação apesar dos esforços para descansar prejudica a capacidade de regulação emocional de uma pessoa. Tudo isso também contribui para o surgimento de um quadro depressivo ou ansioso.

Por fim, a incerteza em relação ao futuro a partir do diagnóstico também pode contribuir para o surgimento de sentimentos ansiosos tão angustiantes que configuram um transtorno ansioso.

Tratamento da síndrome da fadiga crônica

O tratamento da SFC é feito por um conjunto de médicos e profissionais da saúde, a destacar o reumatologista e profissionais da saúde mental como psiquiatras e psicólogos.

Não existe uma medicação específica para o tratamento da condição, mas é frequente o uso de anti-inflamatórios, antidepressivos, analgésicos e medicamentos reguladores do sono para melhorar o controle dos sintomas.

Exercícios físicos graduados

É importante que, mesmo com a fadiga, a pessoa não caia no sedentarismo. Por conta disso, parte do tratamento também inclui a realização de exercícios graduados, evitando o descondicionamento, que pode piorar a fadiga.

Dentre os exercícios estão caminhada, natação, andar de bicicleta e, quando possível, corrida. Esses exercícios devem ser feitos com supervisão médica, sendo interessante aderir a um programa bem estruturado de reabilitação física.

Psicoterapia e adaptações

Um dos grandes aliados no tratamento da SFC é a psicoterapia. Isso porque, por ser uma condição limitante, a fadiga crônica traz mudanças significativas à vida de uma pessoa.

A psicoterapia pode ajudar a lidar com essas mudanças, trabalhando os sentimentos que emergem a partir das limitações, auxiliando o paciente a ressignificar situações, objetivos e sonhos, bem como ajudando o indivíduo a reconhecer e modificar padrões de pensamento e comportamento que pioram sua condição. Uma das psicoterapias com bastante embasamento para isso é a terapia cognitivo-comportamental (TCC).

Na terapia, o paciente também pode aprender maneiras de se adaptar, reorganizando seu dia-a-dia para conseguir realizar as tarefas necessárias com o mínimo esforço possível, evitando o estresse físico que, por sua vez, aumenta a fadiga.

Para pacientes que possuem transtornos mentais como comorbidades, como é o caso da depressão e de transtornos ansiosos, a psicoterapia também pode tratar diretamente os sintomas destes transtornos, ajudando a diminuir os estressores aos quais a pessoa está sendo exposta diariamente. Problemas de sono também são tratados pela psicoterapia.

Ainda que a saúde mental possa influenciar diretamente a sensação de ter energia ou de cansaço, é importante entender quando essa exaustão pode ser mais do que um sintoma psiquiátrico, sem necessariamente negligenciar a saúde mental. Se você sente que está precisando de ajuda, não hesite em contatar um profissional da saúde mental!

Referências

Harvey, S. B., Wadsworth, M., Wessely S., Hotopf, M. (2008). The relationship between prior psychiatric disorder and chronic fatigue: evidence from a national birth cohort study. Psychol Med. Jul;38(7):933-40. doi: 10.1017/S0033291707001900. Epub 2007 Nov 2. PMID: 17976252; PMCID: PMC3196526.

https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/assuntos-especiais/s%C3%ADndrome-da-fadiga-cr%C3%B4nica/s%C3%ADndrome-da-fadiga-cr%C3%B4nica
https://www.reumatologia.org.br/orientacoes-ao-paciente/sindrome-da-fadiga-cronica/
https://www.em.com.br/app/noticia/saude-e-bem-viver/2022/07/31/interna_bem_viver,1382878/sempre-cansado-entenda-o-que-e-a-sindrome-da-fadiga-cronica.shtml
https://www.betterhealth.vic.gov.au/health/conditionsandtreatments/chronic-fatigue-syndrome-cfs
https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/chronic-fatigue-syndrome/diagnosis-treatment/drc-20360510
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3196526/

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