Neuroticismo pode ser visto como ruído mental, aponta pesquisa

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Muitas vezes, o processo de comunicação envolve um ruído. Ou pelo menos é o que diz a teoria da comunicação, que explica como se dá o processo comunicativo entre duas pessoas ou mais. E se eu te disser que, mesmo em nossa mente, é possível que haja ruído?

De certa forma, nossos pensamentos não deixam de ser uma forma de comunicação entre os processos que ocorrem em nosso cérebro a nossa consciência. Naqueles momentos em que está tudo confuso e você não consegue pensar com clareza, pode apostar que há um ruído mental atrapalhando seu raciocínio.

O que uma nova pesquisa sugere é que o ruído mental está presente com mais frequência e intensidade em pessoas com o traço de personalidade neuroticismo, que é um dos principais traços de personalidade reconhecidos pela psicologia e é caracterizado por instabilidade emocional, falta de resiliência e tendência à preocupação excessiva.

Este traço, apesar de não indicar qualquer problema na saúde mental por si só, pode auxiliar no desenvolvimento de transtornos mentais, como a depressão e a ansiedade, por exemplo. Ele também pode influenciar negativamente os relacionamentos interpessoais, pois pessoas portadoras deste traço tendem a ser mais sensíveis a ameaças e punições.

Tendo isso em mente, Klein e Robinson, pesquisadores do Departamento de Psicologia da North Dakota State University, questionaram qual seria o impacto do neuroticismo nas funções cognitivas, ou seja, poderia o neuroticismo trazer dificuldades cognitivas ao indivíduo?

Um estudo publicado recentemente na Wiley Online Library mostra que sim, existe a possibilidade do neuroticismo atrapalhar a atividade cognitiva. Isso porque, de acordo com os pesquisadores, pessoas portadoras de neuroticismo tendem a ter seus processos cognitivos mais desorganizados, resultando no que eles chamam de  “ruído mental”.

O estudo

Foram estudados mais de 500 estudantes de graduação, que responderam questionários relacionados aos traços de personalidade e, depois, fizeram um teste simples de rastreamento, no qual precisavam acompanhar, da maneira mais precisa possível, com o mouse ou um joystick, um alvo que se movia horizontalmente em uma tela de computador. Os testes duravam pouco tempo, entre 5 e 30 segundos, e eram repetidos até 60 vezes. Em alguns momentos, os pesquisadores colocaram um som alto de ruído branco para provocar um efeito aversivo nos participantes e verificar se haveria mudanças na performance.

Examinando a precisão do rastreamento dos participantes, os pesquisadores puderam verificar pequenos momentos nos quais houve desconexão entre a mente do indivíduo e seu controle do ambiente externo em pessoas que tinham alta pontuação para o traço neuroticismo nos testes de personalidade.

Levando em conta que se tratava de um teste simples, que não requeria o armazenamento e manipulação de informações na memória, nem foi preciso ajustar-se a novas instruções para realizar a tarefa, não se pode dizer que se tratava de um teste de função executiva, ou seja, um teste que requer um maior processamento das informações, planejamento, tomada de decisões, entre outros processos mais complexos.

Sendo assim, o teste foi considerado uma tarefa de mindfulness, que requeria apenas intenção, atenção e consciência a respeito da tarefa sendo realizada. Vale ressaltar que pesquisas anteriores apontam uma correlação inversamente proporcional entre o neuroticismo e o mindfulness, ou seja, quanto mais mindfulness, menos neuroticismo e vice-versa.

Mindfulness vs neuroticismo

O mindfulness pode ser definido como a capacidade de manter-se no momento presente, sem se preocupar com futuro ou passado. O neuroticismo faz o caminho inverso: preocupa-se tanto com o passado ou o futuro que há muita dificuldade em se concentrar no presente. Contudo, isso surpreendentemente não implica em problemas como QI baixo ou performance insatisfatória no trabalho, o que seria esperado de pessoas que não conseguem manter o mindfulness. Isso pode se dar por conta do medo que pessoas com alto neuroticismo têm em falhar, o que faz com que essas pessoas se esforcem mais para compensar esses prejuízos.

Interpretação dos resultados

Levando em conta que o teste era tão simples que não era necessário muito esforço cognitivo, os pesquisadores puderam interpretar os resultados como mensurações do controle mental dos participantes, ou seja, seria possível observar o nível de ruído mental nesses indivíduos.

O que os resultados mostraram foi exatamente aquilo que os pesquisadores estavam esperando: pessoas com níveis mais altos de neuroticismo tiveram menos precisão no teste de rastreamento, indicando maior ruído mental. Além disso, essa correlação entre neuroticismo e performance prejudicada foi consistente, ou seja, não houve diferença entre os testes feitos antes e os testes feitos depois, podendo excluir a influência de fatores como cansaço.

Em relação aos períodos em que os pesquisadores colocaram o ruído branco para tentar prejudicar a performance, houve um prejuízo geral de cerca de 1 segundo nos participantes, mas o prejuízo em pessoas com maior neuroticismo se manteve o mesmo de pessoas que não tinham alta pontuação nesse traço de personalidade.

No final das tarefas, foi pedido que os participantes mantivessem um diário por duas semanas. O conteúdo desse diário deveria ser seus sentimentos desagradáveis e os estressores diários pelos quais passavam, como a sensação de ter muitas coisas para fazer. As pessoas que tiveram pior performance nos testes de rastreamento também relataram mais experiências de sentimentos negativos, ainda que não houvesse estressores para tal. Esse resultado condiz com o traço de neuroticismo.

Importância desses resultados

Caso os pesquisadores estejam corretos, então esta é uma ótima descoberta para o desenvolvimento de novas intervenções na área da psicologia a fim de melhorar a estabilidade emocional e outras características deste traço de personalidade, trazendo melhor qualidade de vida para essas pessoas. Contudo, são necessários mais estudos nesta área para que a correlação se mostre consistente.

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A personalidade humana é complexa e ainda há muito a ser estudado. Felizmente, muito já se sabe sobre traços que podem ser prejudiciais ou benéficos para a nossa vida, o que não necessariamente indica uma personalidade boa ou má, apenas que podem haver alguns desafios ou facilidades ao longo da vida.

Se você acha que está passando por algum problema e precisa de ajuda profissional, contate um psicólogo ou psiquiatra de confiança!

Fonte: https://digest.bps.org.uk/2019/04/01/trait-neuroticism-as-mental-noise-neurotic-people-have-noisier-more-chaotic-minds-say-researchers/

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